Coluna do Dr. Leandro Pedrosa: Os poderes pegam fogo!
Os poderes estão em choque já faz algum tempo. Infelizmente assistimos atônitos, sem saber ao certo o que gerou tudo isso, aonde iremos parar. É importante, contudo, rememorar o início de tudo, ao menos o início dos piores tempos (crise) da nossa jovem democracia.
Em 2016 Dilma Rousseff, então eleita para o segundo mandato de presidente da República, foi acusada de praticar crimes que, em tese, seriam rotulados pela Lei 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade do chefe do poder executivo e demais agentes públicos. Mais tarde seria retirada da presidência, assumindo o vice, Michel Elias Temer, que concluiu os últimos dois anos de mandato.
Embora se tenha obedecido o rito para processo e julgamento do impeachment – requisito formal - (o que não é suficiente), o requisito material, qual seja, cometimento de delito de responsabilidade não figurava inconteste.
Os riscos eram enorme de os efeitos daquele ato de extrema gravidade (destituição da presidente eleita democraticamente) abrir um buraco negro (para usar o que está em voga) para ilegalidade. Infelizmente abriu-se precedente muito perigoso, quando analisada acusação diante das frágeis provas colhidas naquele processo.
Mas isso não impostava. Do outro lada da trincheira politica estava a operação lava jato, liderada por um grupo de procuradores ávidos por “justiçamento”e holofotes, bem como um juiz prepotente, conhecido por seu desapego as regras do jogo, Sergio Fernando Moro, que mostrou durante todo seu comando (enquanto juiz) daquela operação, não ter qualquer escrúpulo ao margear, burlar a correta aplicação das lei e da Constituição do País, chegando a determinar (em desrespeito a lei) conduções coercitivas em flagrante confronto com o que dispunha o art. 260 do CPP e a própria Carta Maior.
O STF, nesse episódio horrendo foi instado a dizer o óbvio, em duas ADPFs (395 e 444), protocolada pelo PT e pela OAB, respectivamente, decidiram que o termo “interrogatório” daquele artigo da lei processual violava a constituição e, portanto, a leitura correta seria prestar depoimento. E mesmo assim a condução coercitiva só seria possível, segundo o STF, quando intimado, o acusado se negar a comparecer ao ato (depoimento) e não justificar sua ausência.
Ora, se o acusado não pode fazer prova contra si próprio, princípio da não auto-incriminação, (nemo tenetur se detegere, nemo tenetur ipsum accusare, privilegie against self-incrimination etc.), qual a razão de se conduzir (sem prévia intimação) alguém a um ato em que poderá permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII, CF e art. 186, CPP)? Nenhuma.
Ainda, lançou-se mão de expedientes ilegais quando da descoberta de provas fortuitas (aquelas encontradas por acaso no meio de investigação que pretendiam outras provas ou tinham outro alvo de interceptação), a fim de se constranger a instituições, especialmente o STF, e assim ganhar o apoio da população cedente por sangue, para manter as ilegalidades provocadas.
O legal seria, uma vez encontrada provas do envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro, remeter inconteste os autos ao tribunal superiores competente. Por mais que se discordo, essa era a regra do jogo, logo esse deveria ser o caminho. Qualquer atalho seria interpretação casuística, torpe e ilegal.
Explica-se uma vez mais: se durante uma investigação ocorrer uma interceptação telefônica e o investigado se comunicar com pessoa investida de foro privilegiado, em havendo suspeita de crime praticado pelo agente detentor deste beneplácito, deverão os elementos colhidos serem enviados ao tribunal superior a fim de que se apure o caso na instancia competente.
Destarte, não pode a autoridade de piso trazer isso à tona por meio do levante do sigilo sem qualquer fundamentação legal. Tais provas, irremediavelmente, deverão ser consideradas ilegais e não poderão ser usada no processo, prejudicando assim o devido processo legal e a apuração das responsabilidades.
Adiante se viu um ex-presidente da República (e não só ele) ser preso após confirmada a sentença condenatória de primeiro grau, por tribunal recursal, não havendo ainda o sagrado trânsito em julgado da decisão condenatória, pois que outros recursos careciam de julgamento.
As violações a direitos não foram poucas, como demonstrado pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), in verbis:
1. No início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sergio Moro utilizou uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma conversa telefônica entre a então presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula por ocasião do convite para assumir um ministério;
2. Em março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades também contra familiares e amigos do ex-presidente;
3. Em 20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou uma denúncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a investigação do caso Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de violações ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo profissional dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê Internacional de Direitos Humanos da ONU;
4. A sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de artigos contestando tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5. A divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se falava em pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6. O julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede nacional. Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz Sergio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7. No dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor de Lula e, por estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso pela liberdade com base na presunção de inocência. No próprio dia 05, contrariando todas as expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de Lula e estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do dia seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo por quem não apoia o ex-presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
8. Lula decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois já ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por parte de Sergio Moro. No dia 07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante, saindo do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo da injustiça judiciária;
9. No dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sergio Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo, telefonou para Curitiba e, posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sergio Moro desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade, o regime de competência e a hierarquia funcional;
10. Avançando para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições presidenciais em primeiro turno e com o franco avanço do candidato Fernando Haddad, que substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o juiz Sergio Moro determinou a juntada aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo vice-presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para que Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam em andamento;
11. Coroando a cronologia de ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio Moro, ainda na condição de magistrado, atuou como se político fosse, aceitando o cargo de ministro da Justiça antes mesmo da posse do presidente eleito e, grave, tendo negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme narrado pelo general Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta disfuncional motiva a ABJD a mover representação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de exigir do órgão o zelo pela isenção da magistratura, o respeito ao principio da imparcialidade e a garantia da legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário.
Quanto a necessidade do transito em julgado da sentença penal condenatória (ou ausência dele) vale notar o seguinte: tem levado o mundo jurídico a ficar de cabelos em pé, porque muitas são suas consequências. Na seara criminal tem levado à prisão antecipada como regra. Atualmente mais de 40% dos preso do país carecem de julgamento final e definitivo – coisa julgada -, mesmo assim estão recolhido a um ambiente, fétido, insalubre e degenerativo.
O conceito de coisa julgado, aliás, à luz da necessária interdisciplinariedade do direito, e atento à distinção evidente ao ramos civil e penal, é encontrado na LINDB, art. 6º, § 3º, “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.
No que tange ao processo penal, a coisa julgada se dará em referencia a Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 1789 (“tout hmme étant présumé innocent jusqu’a ce qu’il ait été declare coupable”) Como garantia aos então objetos do processo.
Atualmente repousa na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, segundo o qual “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido comprovada de acordo com a lei, em julgamento público no qual tenha sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” – art. 11.
De mesmo modo estabelece o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, Art. 10, 2. a - “as pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada.” E art. 14, 2. – “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.”
O Pacto de San José da Costa Rica, por seu turno, estabelece em seu art. 8º, item 2: “ Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
No Brasil, é cediço, tal previsão se estabelece no art. 5º, LVII, da CF, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse princípio é tão importante que sua aplicação, ainda que soe paradoxal, basta vê os processos (PAD) administrativo e aqueles decorrentes de faltas disciplinares durante o cumprimento de pena, onde se deverá assegura o princípio da não culpabilidade.
Exposto tudo isso, devemos rememorar a decisão paradigma que, a despeito de ainda não ser definitiva, eis que carecem de julgamento as ADCs 43 e 44, o Supremo Tribunal Federal autorizou, ou ao menos silenciou no que se refere ao cumprimento antecipado da pena, conforme julgado no HC 126.292/SP.
Certo é que, a despeito da previsão constitucional da não culpabilidade, a prisão antecipada tornou-se regra, levando milhares de pessoas inda não julgadas ou com o cumprimento da pena aplicável ao caso já finalizada, a perecerem na prisão antes da sentença definitiva ou após o cumprimento da pena.
Voltando ao STF, este teima em não pautar e julgar as ADCs 43 e 44, que tratam da constitucionalidade (ou não) do art. 283 do Código de Processo Penal.
O Ministro Fux, em lamentável decisão que censurou previamente matéria jornalística, determinou que o ex-presidente Lula, preso em Curitiba, não fosse entrevistado. Lamentavelmente esta posição é flagrantemente casuística inconstitucional. Basta verificar que em outros casos, inclusive com preso como Fernandinho Beira Mar e Marcola, lideres de facções criminosas e tantos outros considerados de elevada periculosidade, fora assegurado esse direito a eles e aos meio jornalísticos.
A Constituição foi de clareza meridiana ao assegurar a liberdade de expressão e de imprensa, como se verifica art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV” e art. 220, § 1º, emergindo haver dois pesos e duas medidas, reforçando o viés político da prisão.
Outrossim, em choque ao que expressa a Constituição Federal, mais recentemente, o presidente do Supremo, Ministro Dias Toffoli, usando o regimento interno da corte determinou a abertura de investigação para apurar supostos ataques aquela casa. O ministro Alexandre de Moraes, escolhido por Toffoli como relator do caso, determinou a suspensão de matéria jornalística em que supostamente haveria relatos de um colaborador da lava jato, ligando o presidente da corte máxima a esquemas de corrupção. Assim ocorreu censura, evidente e inconteste daquela instancia máxima à matéria jornalística, em inegável conflito com a constituição.
O mais curioso é que o Supremo não foi instado abrir o inquérito investigativo, o fez ex officio, nomeando, direcionando relator para julgamento. Essa decisão, é claro, confronta-se com a constituição e o código de processo penal, rferindo de morte a separação dos poderes, fulminando o sistema acusatório e as bases democrático do processo penal.Não há como negar tratar-se de conduta medieval do STF.
Diante desse quadro a procuradora chefe Raque Dodge, encaminhou parecer ao relator opinando pelo arquivamento, o que foi negado pelo Ministro. Mais uma vez em clara violação as regras postas. O que pensam Dias Toffoli e Moraes?
O órgão julgador, como diz a norma, poderá requisitar abertura de inquérito aquém competir presidir e não abrir ele mesmo o procedimento (salvo em caso de crime praticado dentro daquela instituição, quando então a policia interna será responsável por investigar), momento em que será oferecida a denúncia (se for o caso) pelo Ministério Público, mantendo o magistral distante e garantindo o juiz natural e sua imparcialidade.
Entretanto, entendendo o parquet que não é caso de prosseguimento da ação penal deverá opinar pelo arquivamento, instante em que o juiz estará obrigado a 1) remeter os autos ao procurador geral, caso descorde do arquivamento; 2) arquivar inconteste o procedimento.
O procurador geral ao receber o inquérito poderá: 1 oferecer ele mesmo a denuncia; 2 nomear outro promotor ou procurador que o faça ou encaminhar pedido de baixar para mais apuração. Caso o procurador insista no arquivamento, não haverá outra ação senão determinar o magistrado o arquivamento. O promotor nomeado pelo procurador tem discricionariedade para decidir o qual postura tomará.
In casu, não tendo o Relator acolhido o arquivamento pretendido pela PGR, indaga-se: fará ele mesmo a denúncia? Nomeará outro representante do MP para fazê-lo? Determinará que a procuradora chefe o faça mesmo já tendo se manifestado em sentido contrário? Seja qual for a pretensão do STF, verdade é que estará eivada de vício inafastável, irremediável. Não há como se convalidar um ato nascido nulo.
Acreditem, o caso é tão pitoresco que sequer se poder lançar mão do art. 28 do Código de Processo Penal, segundo o qual, “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.” (Grifou-se).
Sob forte pressão o Ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, suspendeu a liminar da suspensão da matéria, no entanto manteve o famigerado inquérito aberto. Foi apenas uma forma de amenizar, diminuir o incêndio.
O STF jamais poderia avocar competência não conferida pela constituição, especialmente com base no regimento interno, que visa regular o funcionamento da corte.
O titular da opinio delicti é o Ministério Público, assim caberia única e exclusivamente a ele (art. 129, CF) oferecer a denúncia dos crimes apurados, quando presentes elementos de convicção suficientes.
“A fixação de “quem”, “onde”, “como” e “quando”, poderá promover investigação é de importância democrática fundamental. Daí os perigos de um “Inquisidor de Terno/Toga” se meter a realizar atividade investigatória desprovida de meios adequados e vinculada à recompensa, sem afastamento objetivo, subjetivo e cognitivo[4]. Pior ainda quando investigador se arvora também no papel de futuro julgador.”
Torna-se curioso o quadro já que a opinião sobre o delica cabe à Procuradora Geral da República, que já se manifestou contraria ao procedimento, frise-se absolutamente nulo e medieval.
Estaríamos falado da pós-da-pós-da-pós modernidade?
Leandro Pedrosa é advogado criminalista, especialista em direito penal, processo penal e criminologia pela UCAM/RJ; especialista em direito civil e processo civil pela UNESA/RJ, pós-graduando em direito constitucional.
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