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PADRE LUIZ G. DE OLIVEIRA E SERRA DA RAIZ: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, POR CLEITON DUARTE LIRA, CONFIRA.







PADRE LUIZ G. DE OLIVEIRA E SERRA DA RAIZ: ENTRE O PASSADO E O PRESENTE, POR CLEITON DUARTE LIRA, CONFIRA.


Cleiton da Silva Duarte Lira (pesquisador)
Graduando em Letras Português, UEPB, Campus III, Guarabira/PB.
cleitondlsr@gmail.com


O PADRE LUÍS GONZAGA DE OLIVEIRA E O PASSADO


Falar de uma figura como o Pe. Luís Gonzaga de Oliveira (1915-1971), escritor e intelectual do século XX, é sempre um desafio e uma honra, à medida que essa figura, na contemporaneidade, é descrita como um importante político, humanitário e religioso que colaborou, dentre outras coisas, com a Emancipação Política de Serra da Raiz durante os anos de 1959, século XX. Tendo o decreto oficial assinado por Pedro Moreno Gondim que desmembrava a cidade de Serra da Raiz/PB de Caiçara, da qual era distrito. A fim de não complicarmos muito os pontos que almejamos argumentar, ou seja, discutir nesse breve artigo; achei por necessário levantar uma discussão acerca de um Artigo que publiquei na VII Semana de Humanidade realizada na UEPB (Universidade Estadual da Paraíba), Campus III, Guarabira/PB e sobre o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do historiador e mestrando pela UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) Júlio César Miguel de Aquino Cabral que, no ano de 2018, defendeu o seu trabalho na UEPB, Campus III, graduando-se em Licenciatura Plena no curso de História. O seu trabalho, intitulado de “A FABRICAÇÃO DO OUTRO: AS REPRESENTAÇÕES DO POVO NA OBRA: FIGURAS E PAISAGENS DO PADRE LUÍS GONZAGA DE OLIVEIRA (1948-1959)”, levanta algumas questões que dizem respeito a essa figura misteriosa que viveu entre nós no século XX – Luís Gonzaga de Oliveira. E uma dessas questões que nos condiciona a uma interpretação que subverte ao que os familiares do padre defendem atualmente, é sobre as verdadeiras motivações do padre para com a cidade de Serra da Raiz. Em meu artigo, diga-se de passagem, complementar ao trabalho de Cabral (2018), trás, de igual modo, a partir de uma análise criteriosa de uma das obras de Gonzaga, questionamentos sobre sua verdadeira índole. No meu artigo, intitulado de “A ESTÉTICA DA REPRESENTAÇÃO: O UNIVERSO ROMÂNTICO ORQUESTRADO NA OBRA A TRAGÉDIA DO MAJOR DO PADRE LUÍS GONZAGA DE OLIVEIRA”, desenvolvi a minha análise crítico-literária, buscando compreender como o discurso do padre velava a verdadeira realidade que existia no engenho, assim como, o jogo de representações configuradas sob o pressuposto de que a vida nos engenhos era algo desejado, querido pelos sujeitos que faziam parte. Escondendo a miséria, a exploração, o preconceito e as verdadeiras motivações que o levaram a representar o “povo como um comboio de pessoas simples e supersticiosas – verdadeiros (as) seres selvagens”, como argumenta Cabral (2018), conseguimos retirar, de mais precioso, o que verdadeiramente a História nos tem ensinado de mais valioso: tudo se transforma.

Assim como Dorothy percebeu que não estava mais na terra, mas que tinha caído em outro mundo – O Mundo de OZ, nós, pesquisadores e leitores sensíveis à relação dos sujeitos no passado e no presente, conseguimos chegar a nossa iluminação (compreensão) sobre as falácias disseminadas no século XXI pelos familiares do padre: houve miséria sim! Houve interesses políticos! Houve contradições evidentes na pessoa do Padre Luís Gonzaga, conforme nos foi apresentada por seus familiares. Michel Foucault em A Microfísica do Poder (1979) e em A Arqueologia do Saber (2010), nos revela que entre um século e outro, que entre um evento e o outro, a relação não é de passividade ou, no termo genérico (Continuidade), denominação que se deve ter muita perspicácia, como sugere Foucault, ao tratá-lo e aplicá-lo a análises. Foucault, por conseguinte, possibilita-me afirmar que, por exemplo, o poder do discurso é que é responsável por estabelecer a institucionalização de um conceito. Para ser mais claro, quando analisamos A Tragédia do Major ou Figuras e Paisagens do padre, o que notamos? Aquela é a verdadeira realidade tal como fora resgatada das memórias do padre? Não! A verdade está muito longe, talvez ela nunca existisse; como sugere Bauman em seu ensaio Vidas Fragmentadas: ensaios sobre a Moral Pós-Moderna (2007), lançado pela editora Relógio D’Água. Compreendendo, a partir desse jogo de rupturas e contrastes ideológicos que se deram no passado de Serra da Raiz/PB, proponho, a partir dos trabalhos desenvolvidos por Cabral (2018) e Lira (2019), este que escreve – uma nova releitura do passado desembocando no presente, mas dinâmica e que se aproxime, sem contradições, com o que realmente aconteceu no passado romantizado dos engenhos em nossa cidade: SERRA DA RAIZ.

Antes da modernização dos engenhos, que só veio a ocorrer, definitivamente, a partir do século XX, possibilitando o surgimento das USINAS (formas mais eficazes para flexibilizar a produção em grande escala e, sobremaneira, para atender a demanda de um país que estava em seu processo de (re) industrialização). Discutindo sobre os novos espaços de poder no período em que o engenho já vinha em decadência, em finais do século XIX, notamos, a partir do trabalho de Cabral (2018) que as elites agrárias (dos engenhos) tiveram de se adaptar a essas novas mudanças. A terra, por conseguinte, estava perdendo o estatuto de poder, isto é, deslocar-se da terra como símbolo de poder, a partir da modernização dos engenhos, era algo fundamental para a manutenção e a conservação do poder. Em Serra da Raiz, nos anos de 1950 a 1959 – períodos marcados pelas grandes tensões entre as elites agrárias e políticas de Caiçara e Serra da Raiz, encontramos, imerso nesse processo de luta pela emancipação política de nossa cidade, o Pe. Luís Gonzaga de Oliveira. Com os engenhos em decadência, tornar-se prefeito ou ocupar cargos relacionados a esse novo espaço de poder, com a criação de uma câmara de vereadores e de outros adendos, era de fundamental importância para os intelectuais da época. Podemos, em função dessas novas transformações, levantar duas visões acerca de Luís Gonzaga de Oliveira: a primeira é que o padre era humanitário, religioso e, por pensar no bem da população serrana e o seu pleno desenvolvimento, o padre tomou as rédeas do conflito político para dar a Serra da Raiz a sua soberania, o seu desenvolvimento. Por conseguinte, essa é a visão e a legitimação que os familiares tentaram construir em relação ao padre Luís em nossa cidade. No entanto, não foi bem assim que ocorreu. Pode ser, partindo de um conto de fadas vivido na saudade dos engenhos, que os familiares do padre estivessem corretos. Em razão disso, apresentamos outra interpretação a respeito desse processo histórico, religioso e político que cercava o padre.

Em nossa proposta interpretativa, mediante fundamentos históricos, o padre Luís estava se adaptando ao novo mundo, isto é, a sua luta pela emancipação de Serra da Raiz se deu por motivações políticas, pela conservação e manutenção de uma elite agrária e intelectual versada no poder econômico dos engenhos e no estatuto de intelectual. Foucault (1979) no capítulo Os Intelectuais e o Poder de sua obra A Microfísica do Poder sugere o seguinte:

Parece-me que a politização de um intelectual tradicionalmente se fazia a partir de duas coisas: em primeiro lugar, sua posição de intelectual na sociedade burguesa, no sistema de produção capitalista, na ideologia que ela produz ou impõe (ser explorado, reduzido à miséria, rejeitado, ‘maldito’, acusado de subversão, de imoralidade, etc.); em segundo lugar, seu próprio discurso enquanto revelava uma determinada verdade, descobria relações políticas onde normalmente não eram percebidas. (FOUCAULT, 1979, p. 70, Grifo Nosso).

A partir do que sugere Foucault (1979), entendemos que na figura tradicional de um intelectual, excepcionalmente naquela época, dava-se por meio de sua própria condição enquanto sujeito monopolizador do Saber e, geralmente, algumas características são extraídas de um intelectual tradicional (consagração da miséria, rejeição de minorias e discurso de imoralidade). Conforme o padre afirma: “E esta exigência ele a fazia até com os meninos. Falava para os moradores para que mandassem os filhos para o eito. Era preciso acostumá-los desde cedo a serem trabalhadores” (OLIVEIRA, 2017, p. 89, Grifo Nosso). Observe que a partir das conclusões de Foucault (1979) acerca das características que constroem a imagem de um intelectual tradicional, confirma-se, inquestionavelmente, a titulação associada ao povo (a plebe do engenho) pelo padre, que eles desde cedo, deveriam ser acostumados ao trabalho campal, no eito. A palavra ACOSTUMAR é uma palavra que, em nosso dicionário, significa “habituar-se a algo”, “tornar familiar a (alguém ou a si próprio)”. O eito, expressão antiquada, mas que na época dos engenhos estava associado ao campo, aos roçados onde as pessoas trabalhavam. No fio de nosso entendimento, se você pesquisar no dicionário, a palavra “eito” estará, também, associada a seguinte descrição – “Plantação em que os escravos trabalhavam”. Por conseguinte, entende-se que acostumar-se a algo, no contexto em que o padre falava em sua obra Figuras e Paisagens (2017), não pode, sob nenhuma circunstância, está submetida a algo positivo, a algo benevolente que tem como objetivo salvar aquela gente “pobrezinha”, mas, por outro lado, associado à disciplina, a miséria, a escravidão presente no contexto dos engenhos. Criança não deve ser acostumada ao trabalho braçal, escravocrata, ela deve ter infância, deve brincar. Quando, por vez, Foucault diz que uma das qualidades na formação ideológica de um intelectual tradicional é reduzir o outro a miséria, torná-lo inferior, minimizá-lo diante de sua própria condição social, notamos que essa prática, no nível do discurso e no nível das relações de dependência entre o patrão e o emprego, não eram passivas, mais de exploração, de sujeição, de subserviência.

E o padre Luís Gonzaga de Oliveira, nessa perspectiva, não se difere de outros industriais (senhores de engenho) de sua época. Na missão de elevarmos o nível de nossa discussão, compreendamos, a partir dos pressupostos teóricos de Jacques Le Goff (1924-2014), em seu livro História e Memória (2012), no capítulo intitulado de Modernismo Religioso, a crise, na América Latina, do catolicismo e da Revolução Industrial que se alastrava desde a Revolução Francesa (1789-1799) na passagem do século XIX e início do século XX. Nesse capítulo Goff (2012) defende que o comportamento da Igreja Católica no século XIX e no Século XX no que toca ao modernismo, tal como o capitalismo, foram conflituosas por parte da igreja, argumenta Jacques Le Goff (2012): “O aspecto católico do conflito antigo/moderno transformou-se na confrontação da Igreja conservadora com a sociedade ocidental da Revolução Industrial”. (GOFF, 2012, p. 180). Durante o século XIX, como acrescenta Goff (2012) “a igreja se definia como antimoderna”, isto é, contrária à revolução industrial e a ascensão da ciência. Coincidindo, primorosamente, com a decadência dos engenhos, fato anunciado, por exemplo, pelo escritor paraibano José Lins do Rêgo (1901-1957) em sua obra Usina (2013) que prenunciava, com rigor necessário a esse processo de modernização agrícola, o discurso dos senhores de engenho mediante ao fim de seu espaço de poder – O ENGENHO. Neste seguimento, paralelo ao que suscitou Goff (2012), entende-se que a emergência da industrialização no ocidente, tendo resistência pelo catolicismo no século XIX, passará a ter uma alteração significativa no século XX, isto é, se no século anterior ela é antimoderna, no século XX ela será a favor do processo de modernização das sociedades capitalistas. Adaptar-se ao novo mundo, portanto, tornou-se a nova ferramenta de sobrevivência das instituições religiosas. A respeito da relação dos intelectuais e o poder, afirma Foucault (1979) “Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade” (FOUCAULT, 1979, p. 71). Foucault nos conduz a perceber que o PODER não é uma instância que se encontra centralizada, como imaginava a sociologia ou a teoria marxista, que o poder estaria centralizado no estado, muito por ao contrário, o poder está presente no mais fino tecido das relações cotidianas, em opiniões, a isso, muitas vezes, denominamos como formas simbólicas de poder. Porém, quando pensamos essas relações inserindo o padre, não havia “inocência” como afirma Cabral (2018), pois, assim, assinala Cabral (2018) que: “Este discurso não era inocente. Foi proferido por um descendente de senhor de engenho, igualmente padre e que lutava na campanha pela emancipação política do município e consequentemente para o aumento de poder político nas mãos da elite de Serra da Raiz” (CABRAL, 2018, p. 28).

O historiador, nesse fragmento do texto, se dirige ao discurso proferido pelo padre Luís Gonzaga de Oliveira em uma de suas conferências que ensejava a importância de Padre Emídio Fernandes que, de igual modo, também era conservador e que, no século XIX, elevou à cidade de Serra da Raiz/PB a condição de Vila. Ora, mais isso não é uma façanha gloriosa? O que Júlio César Miguel de Aquino Cabral critica, de forma assídua (constante), é a valorização que intelectuais como o padre, descrevem, emitindo discursos carregado com formas de tratamento (pomposos) e sempre associado às virtudes cristãs. Em outras palavras, a título de uma nova releitura, é que o Padre Emídio Fernandes não fora essa figura com façanhas incríveis como Dom Quixote, na verdade ele, na posição de intelectual e chefe da cidade de Serra da Raiz na época em que a elevou a categoria de Vila, recebe um trato pelo padre, descrevendo-o como agente de boa fé, homem que era respeitado por todos. Veja que é corrente na História, padres como Luís Gonzaga de Oliveira atribuir valores positivos a outros sujeitos pertencentes ao seu mesmo nível social. No meu artigo, como fora supracitado, realizei uma análise do livro A Tragédia do Major. O curioso, no tocante a obra do padre, são os discursos escolhidos por ele para descrever e recontar, a partir de suas memórias, o cotidiano das pessoas de Serra da Raiz. O que deduzi? O que você, leitor, poder deduzir? A representação do ENGENHO, dos SENHORES de ENGENHO e de FIGURAS RELIGIOSAS associadas ao círculo intelectual do padre, é construída de forma honrosa, gloriosa, como se não houve desolação, nem miséria, nem pobreza e nem exploração. Já os trabalhadores, a comunidade, são descritos como pessoas supersticiosas, como assinalou Cabral (2018), mas que fiz por relevante atrelar as minhas pesquisas. É nítido, inquestionavelmente, na obra que analisei, e isso qualquer um de vocês que forem ler também haverão de perceber, é que o velho Basílio pseudônimo (nome falso) atribuído ao pai de Luís Gonzaga na segunda parte do livro é amplamente construído como alguém que pode se comparar até o Deus, por não ter pecado. Homem de espírito largo, messias e ser humano da mais alta e ilustre significância de ser humano de sua época. Os contrastes entre a representação (paradigma) de homem ideal, centrada na figura do pai do padre, se opõe radicalmente a figuração da população. E aqui, novamente, entendo uma coisa: ERA NECESSÁRIO. Alguém como o padre Luís jamais poderia reduzir-se ao nível da camada pobre da cidade, uma vez que seria muito contraditório para alguém que durante toda a obra de minha pesquisa, estabelecia como requisito essencial, alguém de punho firme para por ordem em tudo. Tanto é que, a Tragédia do Major não deveria receber esse nome, deveria receber outro nome: O IDEAL DO ENGENHO E O AMOR PELA DISCIPLINA. Em um dos tópicos do meu artigo, há um especial: “O povo como símbolo da falência do Major João Marques”. Neste tópico, eu mostro como o padre Luís descreveu a comunidade pobre de Serra da Raiz/PB, refiro-me a todas as pessoas que trabalhavam no Engenho Bom Fim, como os principais agentes causadores da falência econômica do Major João Marques. O Major, nessa primeira parte do livro, é descrito como um ser inocente, que não sabia o que estava fazendo de errado e, tampouco, um ser humano desprovido de consciência, por ser BOM DEMAIS PARA O POVO “GAVIÕES”, como o padre os descreve. Vejamos bem, nós temos aí, explicitamente, uma declaração perjuriosa (mentirosa) e contraditória. O cenário dos engenhos em finais do século XIX e boa parte do século XX, quando já estava eminente a sua decadência, a pobreza, as condições sociais eram precárias, ou seja, todo o monopólio de terras, cana-de-açúcar, agave e etc., não giravam em torno da comunidade pobre, mas dos engenhos, dos senhores de engenho que eram grandes latifundiários, donos de imensas terras. Ora, imerso nesse contexto de miséria, como pode o povo ter poder para condenar alguém como o Major João Marques, a falência econômica? Para destruir alguém, no sentido em que o padre descreveu, seria necessário poder aquisitivo, muito dinheiro e TERRA – que era o símbolo de poder naquela época. E isso, a história nos prova que não existiu. As relações entre Patrão & Empregado não eram românticas, mais de exploração e subserviência.

Portanto, ao analisar o discurso do padre, onde ele emite uma leitura do seu passado como algo desprovido de miséria e com as elites sendo representadas como messias da pátria, soma uma contradição evidente e incontestável. Observe essa carta enviada ao Papa João Paulo II por 150 AGRICULTORES da cidade de Serra da Raiz/PB no ano de 1980, reivindicando comida:

FIGURA 1: DIÁRIO DE PERNAMBUCO/ ANO: 1980/JAN


           Se na década de 1980, Serra da Raiz/PB estava consumida por essa situação de pobreza, o que dizer do início do século XX e todo o século XIX, período áureo dos engenhos? E uma observação importantíssima nessa carta, é que os agricultores falam de “Poderosos invadindo tudo”, “tubarões”. Ora, mas quem eram essas pessoas? Eram os chefes políticos da época, latifundiários, a igreja católica, intelectuais e etc. Essa carta nos revela que não eram os pobres quem detinham poder, mas os latifundiários. Mas esses relatos de pobreza não existem nas descrições do padre, pois, se o padre descrevesse que havia exploração, que seu pai, Bellarmino Augusto de Oliveira literalmente explorava os trabalhadores do eito, isso abalaria todas as estruturas que representava a sua classe como detentora do poder. Por isso o seu pai é sempre descrito como um senhor bondoso, e não como alguém que impunha disciplina aquém o desobedecesse. Em vista disse, faço uso do que crítico literário e filósofo francês do século XX, Roland Barthes, disse: “O Verdadeiro fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer”. Ora, quando Barthes afirma isso, cujo espaço foi à aula inaugural no Collège de France no ano de 1977 em inauguração da Cátedra de Semiologia Literária, o crítico se refere ao poder da linguagem. Tanto Barthes, como também José Luíz Fiorin, linguista brasileiro, afirmam que a língua é uma forma de se categorizar o mundo, isto é, de atribuir valor. Ou seja, nós, seres humanos, por mais que tentemos esconder (ocultar) as nossas verdadeiras intenções, os nossos discursos denunciam muito mais do que estamos falando. São os implícitos, é o não dito. E o padre, como qualquer outro ente humano, não poderia escapar a essa lógica universal, de atribuir valores (positivos) a determinadas coisas e a estabelecer valores (negativos) a determinadas coisas.


O PADRE LUÍS E O PRESENTE

O padre Luís Gonzaga de Oliveira já passou, isto é, morreu? Factualmente que sim. Mas existem, ainda, os seus continuadores, os seus familiares que, detentores das obras do padre, recontam a sua história, relançam suas obras, fazem conferências sobre suas obras, tal como a sua vida, a sua importância para Serra da Raiz (sempre positiva), criam diversas façanhas em seu nome. Dentre as figuras mais concorrentes, isto é, responsáveis pela continuidade do padre, estão Eric Ben-hur de Oliveira, presidente da ONG Saci (Sociedade Amigos da Cultura Iniguaçu), e também atual Secretário Municipal de Cultura, Raniery Augusto Cavalcante de Oliveira, bisneto do Padre Luís Gonzaga e o autodenominado historiador serraraizense – José Augusto de Oliveira.

Antes de entendermos como está sendo contada a vida do padre em nossa cidade, no atual século XXI, é importante, como alguém falando na propriedade de quem realizou pesquisas criteriosas sobre a vida do padre, contar-lhes como, antes de se tornar acadêmico do curso de Letras, bem como antes de conhecer, a partir de fatos históricos e adendos documentais a vida do padre, como foi a minha primeira experiência com essa figura enigmática. O meu primeiro contato com o padre se deu por intermédio do historiador serrano Raniery que, na época, lecionava no colégio estadual de Serra da Raiz. Pelas suas descrições, sempre bem retratadas na arte da palavra, encantei-me, isso digo honestamente, com a vida do padre, assim como os seus feitos em Serra da Raiz. Raniery dizia-me que ele foi um homem que ajudou os pobres, que doou terras nos arredores de sua Casa Grande para que moradores sem teto pudesse residir. Disse-me que foi o padre, o agente principal por emancipar a cidade de Serra da Raiz; disse-me que o padre foi o agente responsável pela industrialização de Serra da Raiz, tendo em vista que o padre, no século XX, foi um grande industrial de agave, além de outras coisas. Ora, com tudo isso; pensei eu – “Nossa, Serra da Raiz deve ser grata a este homem pelo seu espírito largo”. O homem tinha contribuído para as áreas da economia, política, cultura e educacional de Serra da Raiz, foi um herói. No entanto, relatos vindos de familiares são sempre sinuosos, carregados por saudade, por querer manter viva a figura, não de homem desprovido de engenhosidade, mas de um herói. Por conseguinte, quando comecei a realizar as minhas primeiras pesquisas sobre a vida do padre, tanto nos contextos políticos, econômicos e culturais, notei que o discurso de Raniery, assim como o de Ben-hur, eram monológicos, unilaterais, isto é, só mostravam uma possibilidade, inquestionável, sem variações para outras releituras históricas. Por exemplo, descobri que o responsável pela emancipação política da cidade de Serra Raiz não fora apenas o padre, e talvez ele não fora a figura mais importante desta época. Descobri então, a existência de Manoel Madruga que, em resposta ao deputado de Caiçara – Severino Ismael que dizia que Serra da Raiz era pobre e não tinha condições econômicas para se mantiver, o escritor escreveu um livro intitulado de “SERRA DA RAIZ”, lançado em 1955, quatro anos antes da emancipação política de minha cidade que só ocorrera em 1959. Por conseguinte, os familiares do padre também me disseram que em Serra da Raiz, a família deles era a mais tradicional, que tinha história. E que, inclusive, João Nepomuceno Oliveira, irmão de Padre Luís Gonzaga de Oliveira, elegera-se prefeito de Serra da Raiz no ano de 1963.

Com tantas referências, fiquei impressionado com as façanhas. Mas o conhecimento não é mais privilégio de uma classe, resolvi averiguar as informações que a mim foram transmitidas. Será que a corrupção é hereditária? Será que o fascismo é hereditário? Será que o mau caráter é hereditário? Talvez se o padre Luís Gonzaga tivesse vivo hoje, ele já teria se suicidado como Getúlio Vargas, pelas relações políticas que seus familiares estão imersos. Para entendermos essa nova configuração nos dias atuais em que a representação do padre agora faz parte, é necessário, antes de tudo, entendermos quem são esses familiares e por quais estratégias eles aderiram como sobrevivência e como perpetuação do poder. O novo status quo, isto é, o espaço de poder agora é a política. Não vamos aqui, devido à complexidade de todas as relações políticas dos últimos 20 anos, nos alongar devido ao tamanho que este artigo já se encontra. Dentre todos os familiares, centrar-me-ei em Eric Ben-hur de Oliveira, presidente da ONG Saci. Bom, quem é Ben-hur? Qual a sua relevância para o nosso artigo? Eric Ben-hur de Oliveira, casado, tem filho, atualmente é Secretário Municipal da Cultura em Serra da Raiz, representante da BR27 Tecnologia, empresa de serviço de internet, cursa História pela UEPB (Universidade Estadual da Paraíba). Como irei analisá-lo? Vamos analisá-lo ideologicamente e tentar averiguar a sua credibilidade em nossa cidade. Em Serra da Raiz/PB nós temos, há mais de duas décadas, um Regime Fascista e oligárquico, encabeçado por duas figuras, Adailma Fernandes da Silva e seu Ex-marido Luiz Gonzaga Bezerra Duarte. Mais detalhes aprofundados sobre a historicidade que envolve essas duas figuras ficará para outros textos. Mais vamos adiante! Nas eleições de 2016, tivemos como candidato a vereador pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), Eric Bem-hur de Oliveira que, na bancada, integrava junto a nomes como Carlos André Abreu (Candidato a prefeito pelo PSB), Bel Crispim (Candidato a vereador), Dr. Ideão (candidato a vereador) entre outros. Integrando a disputa de prefeito, tínhamos Adailma Fernandes, Carlos André e Dival Batista.




 

Figura 2: Candidatos a prefeito e a vereador nas eleições de 2016. Fonte: Gazeta do Povo.


Pela infelicidade de Ben-hur, com apenas 3,15% dos votos, somando o total de votos válidos na importância de 70, não se elegeu. Foi uma decepção! Mais o interessante naquela época eram os discursos que detonavam Adailma Fernandes da Silva que, como toda a cidade foi testemunha ocular, é inquestionável a posição ideológica de Ben-hur. Em muitas de nossas reuniões na sede, ao tratarmos da cultura de Serra da Raiz e do desleixo provocado pela oligarquia encabeçada por Adailma Fernandes, o mesmo proferia, com grande convicção, que a cidade necessitava se desenvolver, que a cidade necessitava se libertar de um regime que consagrava a involução na terra, impedindo-a de dar frutos. No entanto, essas afirmações de Ben-hur, presidente de uma ONG que todos os familiares descreviam como “APARTIDÁRIA” vem perdendo crédito e, por conseguinte, ganhando descrédito por suas contradições. Mas vamos entender o MECANISMO que essa figura, geralmente rotulada por “Jovem promissor” e “difusor da cultura”, se constrói. O marco inicial da constituição do que Ben-hur vai tentar erguer seu “império”, inicia-se, ainda embrionário, no ano de 2007, ano de fundação oficial da ONG Saci. Até então, o Jovem Promissor era plenamente e declaradamente contra a oligarquia a qual ele, atualmente, faz parte. O ano de 2016 representava, para Ben-hur, a possibilidade de pôr mais uma pedra em seu império factício, no entanto, ao mesmo tempo em que o sentimento de vitória construía-se em sua mente como a possibilidade “crescer” politicamente em Serra da Raiz, do outro lado, profundas ilusões lhe roubaram a esperança. O Contexto era esperado, oposição rachada, repartida, com poucos recursos financeiros para investir em campanha (COMPRAR VOTOS) e, na situação, Adailma Fernandes, obviamente, tinha a prefeitura e outros ‘benfeitores’ a seu favor. Ben-hur, por conseguinte, um jovem querendo lutar pela cultura de Serra da Raiz (sempre centrado no Padre Luís Gonzaga de Oliveira), o seu referente, o seu Dêitico.

Não se elegendo, Ben-hur quebrou os laços com Carlos André e, consequentemente, com o PSB.

 

 
Figura 3 Pré-candidatos a vereador pelo PSB em Serra da Raiz/PB. Crédito: Carlos André Abreu.



A NOVA FAMÍLIA



Figura 4: Ao lado de Adailma Fernandes, Eric Ben-hur de Oliveira, nomeado Secretário de Cultura. Fonte:


Essa é a pessoa ligada à difusão da cultura da cidade de Serra da Raiz/PB, alguém que, em seus meandros, defendia freneticamente a dissolução da oligarquia que estabeleceu um regime de caráter fascista em nossa cidade, e que, somado a essas pessoas que, em conluio, nunca trouxeram transformações significativas para Serra da Raiz, agora se mostram, junto ao jovem promissor, a promessa de elevar a nossa cidade ao reino dos céus. A ONG Saci, em seus princípios, talvez um dia já fora apartidária, mas hoje isso é impossível. Com acesso a recursos da prefeitura municipal, abrem-se as possibilidades para muitas coisas. Se olharmos para o passado do padre, suas táticas políticas para concentrar (monopolizar o poder), ver-se-á, a rigor, que tal mecanismo utilizado pelo padre no século XX, apenas ganhou novas roupagens, isto é, as práticas das elites intelectuais, decadentes, perpassam os anos e os séculos sempre na mesma configuração, mas de formas diferentes. Entenda que uma ONG uma entidade não governamental, necessita angariar fundos para se mantiver; provenientes de doações etc. Nessa estratégia, onde se pode ter acesso a recursos com facilidade? A resposta é óbvia, pela prefeitura municipal. Serra da Raiz/PB pode ser rica em cultura, mais não é desenvolvida economicamente, sua economia, em grande parte agrária, ainda é antiquada. Enquanto cidades mais recentes, em termos emancipação como Sertãozinho, crescem vertiginosamente, Serra da Raiz continua estanque. A lógica do sistema político-econômico de Serra da Raiz gira em torno antigos fazendeiros como o “Dr. Zemoura”, por exemplo, e políticos antigos somados a atual gestão, denota-se que as condições de sobrevivência da ONG deveria se adaptar ao novo sistema, assim como o padre Luís fizera na disputa política em Serra da Raiz. A ação mais óbvia para tanto, é se corromper ao sistema, abdicar de ideais e heroísmos sucumbir à realidade. O acesso ficou mais rápido e os problemas desapareceram. O atual presidente se mantém em silêncio, apenas obedecendo aos comandos da atual gestão e impedido apontar falhas nítidas, como antes fizera quando integrava o PSB em 2016. A falta de credibilidade dá-se por via dessas contradições que confluem com mutações ideológicas.

A coligação que Ben-hur pertencia, denominava-se “Trabalhar, Moralizar e Reconstruir”. Qual o valor dessas palavras hoje? O sentido mais pleno de mudança não se dá por via da contradição, por via do fascismo político e por discursos áridos e crassos, se dá pela dissolução de um sistema político que oprime; que persegue; que investe na miséria e no não desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas. Ben-hur perdeu o estatuto de Jovem Promissor, agora é apenas uma árvore infrutífera, sucumbida e entregue a uma lógica que, muito infelizmente, vem condenando e humilhando muitas gerações. Par concluirmos, falaremos, em linhas gerais, algumas coisas sobre a representação do padre Luís ligada a ONG Saci. Segundo a sua definição, ONG é uma entidade não governamental e sem fins lucrativos que tem, por sua natureza, o objetivo de auxiliar o governo municipal, estadual ou federal, nas deficiências que são pertinentes as outras camadas da sociedade. Uma ONG, além de promover projetos sociais no campo da saúde, da cultura, dos direitos humanos e da educação, ela tem o dever de seguir a risca todos esses campos, que não é o caso da ONG Saci. A ONG Saci se autoproclama como uma entidade que trabalha com cultura, sendo que no estatuto de fundação obrigatória, ela não pode apenas centrar-se na cultura, mas em todos os campos supracitados. Neste sentido, se observarmos todas as ações praticadas desde o ano de 2007, ano de fundação da ONG Saci, não se encontra nenhuma ação efetiva, por exemplo, em angariar fundos para doações a pessoas necessitadas que, em nossa atual conjuntura, não são poucas. Todos nós acreditamos em falácias até averiguarmos, nas legislações, as verdadeiras obrigações e deveres de uma ONG. Neste sentido, pregando a toda a população esse discurso falacioso de que uma ONG Saci só trabalha com cultura, a família vem sustentando essa ideia centrada na perpetuação do Padre Luís Gonzaga de Oliveira, tanto é que, as maiores realizações da ONG não foi de conseguir 500 quilos de alimentos e doar aos pobres, mas a de conseguir publicar as obras literárias do padre. Para não fazer morrer essa memória saudosista, a família tenta, como pode, manter o estatuto conservador de intelectuais, de classe privilegiada pelo engenho da escrita ou por ter lido 5 livros de Machado de Assis. No próximo texto, daremos continuidade aos relatos, tanto sobre o padre, como a configuração política que perfaz o trajeto de mais de duas décadas.

Figura 5: Carlos André Abreu e associados ao PSB no ano de 2016. Créditos: Carlos André.

Figura 6: Adailma Fernandes da Silva e Eric Ben-hur de Oliveira na reinauguração do Museu do Homem Serrano. Fonte: ONG Saci.




Referências

GOFF, Jacques Le. História e memória. 6º ed. Campinas, Editora da Unicamp, 2012.
FOUCAULT, Michel. A Microfísica do Poder. 13º ed. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1979.
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BARTHES, Roland. Aula. 13º ed. São Paulo, Cultrix, 1977. 
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