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DOSSIÊ DIREITO E BIOÉTOCA: EUTANÁSIA


Direitos Fundamentais E A Intervenção Do Direito Na Vida Privada

É polêmica a discussão sobre até que ponto o Direito pode intervir na vida das pessoas. No artigo 5, inc. X da Constituição diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Inferimos, por exemplo, que a Lei da Palmada, sancionada no dia 27 de agosto de 2014, que proíbe o uso de castigos físicos e de tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina e educação de crianças e adolescentes, se divide em duas posições:  atinge diretamente o interesse geral, uma vez que protege crianças de agressões humilhantes, mas atinge também a vida privada, pois abarca o âmbito do lar, e também na vida íntima , pois interfere em como os pais devem educar os filhos, o que é uma opinião extremamente subjetiva.

Mesmo com tal dilema, a Lei foi aprovada, pois ponderou-se, e a primeira posição pareceu mais forte. Porém, há de se convir que não há nada mais subjetivo, privado e  intimista que um dilema existencial. Trata-se de um indivíduo apenas. Somente através da argumentação, da dialética, um segundo indivíduo poderia entrar nesse universo particular, mas ainda sim, o poder de síntese, a decisão final, seria do primeiro indivíduo. Uma decisão única, íntima e particular. 

E mesmo se fosse, seriam casos excepcionais, uma vez que a pessoa estaria cercada de familiares, que, via de regra, nutrem por ele laços afetivos e temem perde-lo.  Portanto o Estado, se achar necessário interferir, deve fazê-lo com muita cautela, para não ferir o artigo 5, inc. X.

Vale salientar que mesmo sendo o direito á vida indisponível, isto parte de uma perspectiva do Estado para o indivíduo, porém não limita o interesse do indivíduo em querer dispor de sua própria vida:

“Todavia, ao detentor deste direito, não há qualquer óbice (objeção) em querer dispor deste, uma vez que esta garantia constitucional limita o poder do Estado face o individuo, e não limita o individuo de sua própria vontade.” (ROCHA, 2012)[1]

 

A Chance Da “Boa Morte” Sem Eutanásia E Com Eutanásia- Intervenção Psicológica Ou Psiquiátrica E A Mudança Do Conceito De Dignidade

É extremamente compreensível que uma pessoa com uma doença terminal queira morrer, principalmente quando está sentindo dor. Porém é inegável que uma doença terminal é “gatilho” para conflitos e distúrbios emocionais, afetando a capacidade do indivíduo de pensar sabiamente sobre a melhor decisão a tomar sobre si próprio. De fato, a morte é certa, mas é notável, principalmente nos casos dos pacientes terminais em que a dor não é muito intensa ou se mostra episodicamente, que a conceito individual de dignidade pode ser alterado, por meio de intervenção psicológica, ou em casos mais graves, psiquiátrica. O falecimento é inevitável, mas pode-se enfrentá-lo com otimismo, e por vezes, encontrar alegria nos últimos dias.

Há casos de pacientes terminais que enfrentaram seus últimos dias com muito otimismo, vivendo intensamente, mesmo com limitações físicas. A exemplo do caso da menina Alexia González Barros, falecida em 1985 aos 14 anos de idade, e que atualmente está em processo de canonização. Aos 11 anos a família de Alexia descobriu que a menina tinha um tumor extremamente agressivo, que começa a deteriorar sua saúde.  O filme espanhol baseado em sua história, “Camino”, de Javier Fesser, mostra os últimos dias da menina e seu otimismo perante o pouco tempo de vida.

Mesmo sendo uma obra fictícia, vale lembrar a história do longa “Antes de Partir”, do diretor Rob Reiner. No filme dois homens que se conhecem em um hospital e se tornam amigos, e ambos descobrem que tem pouco tempo de vida, com isso preparam uma lista de desejos a fim de fazer valer seus últimos dias.

Acontece que situações como uma doença terminal pode deflagrar distúrbios de humor, e estes afetam diretamente a capacidade do indivíduo de pensar sabiamente sobre a melhor decisão a tomar sobre si próprio, uma vez que distorcem a percepção do indivíduo em relação as condições ambientais, devido a alterações de ordem biológica.Trataremos da depressão, por ser a mais comum em casos de eventos traumáticos. 

Dentre seus principais sintomas estão impossibilidade de sentir alegria no que antes era prazeroso, além de interpretação distorcida e negativa da realidade, onde tudo é visto de um ponto de vista pessimista. Isso pode comprometer a visão do que é uma existência digna ou não, interferindo no processo de decisão do indivíduo sobre optar ou não pela eutanásia, ou até mesmo comprometer uma visão mais otimista por parte do indivíduo; como nos casos de Alexia Gonzalez e dos amigos do filme “Antes de Partir”.

Para continuarmos o raciocínio, é importante distinguir dois tipos de depressão: a exógena( também chamada de depressão reativa) e a endógena (também chamada de depressão psicogênica).

A depressão exógena está ligada a um estado temporário do paciente, ou seja, diz que a pessoa está deprimida. Este tipo de depressão é provocada por circunstâncias capazes de causar dor emocional. A depressão endógena está ligada a um estado permanente: o paciente tem um histórico de vida emocional onde várias vezes apresentou sintomas de depressão, muitos deles sem motivo, ou quando há algum motivo, o quadro é desproporcional.

O quadro depressivo está ligado a alterações químicas cerebrais relacionadas aos neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e, em menor proporção, dopamina), substâncias que transmitem impulsos nervosos entre as células. Além desta causa, outros processos das células nervosas também estão envolvidos.

Portanto, sendo a doença terminal um evento extremamente traumático, é necessário que a família fique atenta aos sintomas de mudança comportamental do indivíduo e, detectando alterações, o encaminhe para um psicólogo, que poderá ou não encaminhá-lo para um psiquiatra. O presente artigo defende que por tratar-se de alterações biológicas, o quadro depressivo deve ser parte do tratamento médico que o paciente terminal já vem recebendo.

É importantíssimo salientar, porém, que em casos de dor intensa e constante, a sugestão apresentada no primeiro parágrafo é praticamente nula, e a eutanásia seria a melhor solução, embora, como vimos no capítulo 1, mesmo que a vítima tenha pedido auxílio para a própria morte, ainda sim configura crime segundo o artigo 122 do Código Penal; “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”; onde ocorre o induzimento, a instigação ou o auxilio ao suicídio.

É importante ressaltar que diante de dores físicas fortes e constantes, o tratamento psíquico muitas vezes não funcionará, e é previsível, que pelo seu estado débil, o paciente precise de auxílio para morrer. Diante de tais argumentos se justifica a prática da eutanásia.



[1] ROCHA, Roger Alves da. Eutanásia - o direito à boa morte. In: Âmbito Jurídico, Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12102&revista_caderno=3>. Acesso/Acessado em 02/02/2015.


Por: Magnolia Calegário


A Colunista

Magnolia Calegário é Cantora, compositora, escritora, radialista, jornalista, e advogada. Autora do Livro: A Família e o Direito Brasileiro Oitocentista - Reflexos na Contemporaneidade?

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