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Fernández rebate Bolsonaro sobre papel do Exército argentino


BUENOS AIRES — O presidente da Argentina, Alberto Fernández, respondeu a um tuíte do presidente Jair Bolsonaro sobre a ajuda que as Forças Armadas argentinas fornecem no combate à pandemia de Covid-19. Desencadeando mais um impasse diplomático com o país vizinho, o presidente brasileiro havia sugerido erroneamente que o Exército argentino estava nas ruas para impor o toque de recolher noturno e "manter o povo em casa".

"Exército argentino nas ruas para manter o povo em casa. Toque de recolher entre 20h e 8h. Bom dia a todos", escreveu o presidente brasileiro na manhã desta quinta.

Junto com a mensagem, Bolsonaro compartilhou uma imagem que havia sido compartilhada pela conta de Instagram do site Infobae, que mostra soldados argentinos e a manchete: "Toque de recolher: pela primeira vez, o Exército sairá às ruas para controlar o cumprimento das drásticas medidas anunciadas pelo presidente".

O comentário de Bolsonaro se refere às medidas anunciadas pela Casa Rosada na noite de quarta, que limitam a circulação de pessoas entre 20h e 6h, reduzem o horário comercial e suspendem as aulas por duas semanas. Os militares, disse Fernández em um pronunciamento televisionado, serão mobilizados  para auxiliar na fiscalização do cumprimento das medidas.

A decisão gerou questionamentos, diante da sensibilidade que a presença das Forças Armadas em questões civis representa no país — herança das ditaduras militares que comandaram boa parte dos países latino-americanos durante a segunda metade do século XX. 

Diante disso, Fernández e integrantes de seu governo têm dado entrevistas a veículos de imprensa para esclarecê-las, afirmando que os militares atuarão majoritariamente de dia e desarmados. Ao ser questionado sobre o comentário de Bolsonaro pela Rádio 10, ele disse:

— Seria necessário explicar a Bolsonaro um pouco como funciona a Constituição. Primeiro que não há toque de recolher na Argentina e que as Forças Armadas não são responsáveis pela segurança doméstica — afirmou o presidente, que rechaça o uso do termo "toque de recolher" para explicar as medidas recém-implementadas e prefere se referir a elas como "proibição de circulação noturna". —  É chocante que Bolsonaro diga uma coisas dessas.

Fernández disse ainda que não declarou um estado de sítio e que não tem planos de fazê-lo e defendeu a mobilização das Forças Armadas. Segundo o argentino, elas existem para ajudar as pessoas em situações catastróficas como a atual:

— São militares que fizeram sua carreira na democracia, defendem as instituições e, desse lugar, têm colaborado de modo magnífico durante a pandemia, levando assistência a áreas de maior vulnerabilidade —  disse Fernández, afirmando que os militares ajudarão a montar postos de testagem.

A Argentina viu no último mês um agravamento do quadro pandêmico e hoje tem a quarta maior taxa de transmissão (Rt) da Covid-19 entre os 68 países analisados pelo Imperial College.

Em 13 de março, o país registrava uma média móvel de quase 6,5 mil novos casos por dia. Em 13 de abril, o número havia mais que triplicado, passando para 21,6 mil novos diagnósticos. As mortes, por sua vez, duplicaram: passaram de uma média diária de 110 para 220 no último mês.

Devido à piora, Fernández anunciou as restrições, apesar das discordâncias entre os diferentes setores de seu governo sobre como enfrentar a pandemia: enquanto peronistas defendem medidas mais flexíveis, kirchneristas são a favor de uma quarentena rigorosa. As medidas foram recebidas com panelaços nas regiões de classe média e classe média alta da região metropolitana de Buenos Aires.

— Teremos médicos, enfermeiros. É uma operação similar à feita quando [os militares] saíram para levar comida às áreas mais vulneráveis —  disse ao Clarín o ministro da Defesa, defendendo as restrições. — As Forças Armadas não vão fazer tarefas de segurança doméstica, não vão ser deslocadas de noite, mas de dia. E os efetivos vão estar desarmados.

A relação de Bolsonaro e de Fernández é conflituosa desde antes de o peronista ser eleito presidente, em 2019. Ainda durante a campanha, Bolsonaro repetiu muitas vezes que torcia pela vitória de Mauricio Macri, candidato à reeleição. Na mesma época, Fernández visitou Lula na prisão, em ato considerado provocativo pela direita brasileira. Os dois só foram ter sua primeira reunião bilateral em novembro do ano passado, 11 meses após a posse do presidente argentino.


Fonte: O Globo

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