Ariel Negra: Por que faz todo o sentido?
A jovem cantora Halle Bailey protagonizará filme que será
rodado em 2020. Admiradores questionam a escolha, alegando que a princesa da
Disney é branca de cabelos ruivos. Pela segunda vez, uma negra fará papel de
uma princesa da Disney. Em 1997, Brandy Norwood atuou como Cinderela no longa
metragem que tinha Whitney Houston como fada madrinha e Whoopi Goldberg como
rainha.
No ano de 1989, os estúdios
Disney adaptaram o clássico literário “A Pequena Princesa”. No longa metragem
de animação A pequena sereia, os estúdios Disney batizaram a
personagem principal como Ariel, dando a protagonista olhos claros, cabelos
ruivos e uma cauda verde. A norte-americana Jodie Benson, atriz e dubladora
responsável pela voz da personagem, revelou em entrevista à revista Entertainment
Weekly os bastidores do longa de animação: "Lembro-me das
primeiras artes conceituais, e ela era loira. Tinha um rosto como o das sereias
em Peter Pan, mais maduro e com mais glamour.
Jodie também deu sua opinião
sobre os traços da protagonista. "Lembro-me de dizer para eles (da
produção) que era curioso estarem fazendo outra princesa loira depois de
Cinderela e Aurora (A bela adormecida). Pouco depois, trocaram o cabelo
para vermelho. E assim surgiu a primeira princesa ruiva", lembrou.
Após a Disney anunciar uma atriz
negra para estrelar o live action, durante três dias, a polêmica sobre Ariel
ser interpretada por uma negra esteve na lista dos temas mais comentados do
Twitter mundial. "Só falta colocar uma atriz loira para interpretar a
Tiana de a Princesa e o Sapo, que é negra, ou uma ruiva para fazer a
Pocahontas", queixou-se uma internauta.
A fala desta internauta
caracteriza claramente a ideologia do “racismo reverso”. O racismo reverso é um vocábulo utilizado para descrever atos de discriminação
e preconceito cometidos por minorias raciais ou grupos étnicos oprimidos
historicamente contra pessoas pertencentes à maioria racial ou grupos étnicos
dominantes historicamente. Segundo Janaína Damasceno, do grupo Geledés “Quem
acredita em racismo inverso crê que há um racismo bom e ideal (o anti-negro) e
um racismo mau (anti-branco)”. De fato, para a maior parte do movimento negro
racismo reverso não existe.
Primeiramente,
para falarmos sobre racismo inverso, devemos descobrir se houve na história
da escravidão algum
navio ”branqueiro”, cheio de escravos brancos que foram retirados à força de
seu país e enviados em condições desumanas para países que se apropriaram
de suas vidas e os transformaram em escravos. Será que isso realmente
aconteceu? É óbvio que não. (COSTA, OLIVEIRA, 2016)[1]
"Sereias não existem, são
seres mitológicos. Tanto faz ser negra, ruiva, branca, rosa ou azul. Sem contar
que o ponto mais importante da Ariel é sua belíssima voz, e isso Halle
tem", destacou outra. "Ariel era a branca de cabelo vermelho que
conquistou os corações de milhões de crianças em todo o mundo. Elas esperariam
que ela fosse a mesma no filme live-action. Não entendo a decisão da
escalação;, lamentou um fã. "O racismo se destacou em vocês quando Halle
Bailey foi escalada como Ariel. Sereias são criaturas míticas. Quem te disse
que elas eram apenas brancas?", reagiu outro. (BRANT, 2019) [2]
As falas acima denotam uma insatisfação com o fato de uma negra
interpretar uma sereia branca e ruiva, mesmo não sendo a primeira vez que uma negra faria papel de uma princesa da Disney. Em 1997,
Brandy Norwood atuou como Cinderela no longa metragem que tinha Whitney Houston
como fada madrinha e Whoopi Goldberg como rainha. A Cinderela do longa de
animação era loira, branca e de olhos azuis. Já no longa metragem, Cinderela –
interpretada por Brandy Norwood - é negra, de cabelos crespos e olhos escuros.
Quinze anos depois do filme Cinderela, em 2002, Halle Berry
foi a primeira mulher negra a levar o Oscar de
Melhor Atriz. Em meio à lágrimas, Halle Berry deu um emocionante discurso de
aceitação: "Este momento é tão maior que eu mesma. Este momento é para
Dorothy Dandridge, Lena Horne, Diahann Carroll. É para as mulheres que estão ao
meu lado: Jada Pinkett, Angela Bassett, Vivica Fox. E é para cada mulher não
branca sem nome e sem rosto que agora têm uma chance porque esta noite, essa
porta foi aberta”. (BERRINGTON,
2020)[3].
Apenas sete anos depois, em 2009, é criada a
primeira princesa negra da Disney, sessenta e seis anos mais tarde que a
primeira princesa da Disney, Perséfone, de 1934. Mesmo sendo um êxito para a comunidade negra,
o filme com a primeira princesa negra da Disney foi coberto de polêmicas
racistas[4]
Seis
anos depois anos depois, em 2015, Viola Davis torna-se a primeira mulher negra
a vencer um Emmy de melhor atriz dramática. A atriz Viola Davis fez um discurso
político ao receber sua estatueta no dia 20 de setembro de 2015:
Na minha cabeça,
eu vejo uma linha. E sobre essa linha, vejo campos verdes e flores adoráveis e
mulheres brancas lindas, com seus braços estendidos para mim, sobre essa linha.
Mas parece que eu não consigo chegar até lá, não importa como. Não consigo superar
essa linha.' Essa foi [a ativista pelos direitos civis] Harriet Tubman nos
anos 1800. E, deixem-me dizer uma coisa: a única coisa que separa mulheres
negras de quaisquer outras é a oportunidade.Você não consegue ganhar um Emmy
por papéis que simplesmente não existem. Então, isto aqui vai para todos os
roteiristas, as pessoas maravilhosas que são Ben Sherwood, Paul Lee, Peter
Nowalk, Shonda Rhimes, pessoas que redefiniram o que significa ser bonito, ser
sexy, ser uma mulher protagonista, ser negra. E para todas as Taraji P.
Hensons, Kerry Washingtons, Halle Berrys, as Nicole Beharies, Meagen Goods,
Gabrielle Union: obrigada por fazer com que nós superássemos essa linha.
Obrigada, Academia de Televisão. Muito obrigada.[5]
Diante do contexto histórico apresentado
acima, podemos enxergar que a indústria cinematográfica, embora tenha dado seus
primeiros passos pró inclusão racial, ainda tem um longo caminho a percorrer, e
que a escolha de uma negra para interpretar uma princesa branca da Disney
representa um grande avanço em termos de inclusão. O simples fato de a escolha
da atriz ter levantado a discussão a respeito do estereótipo eurocêntrico das
princesas (caucasianas, loiras e com olhos claro) já é por si só um excelente
motivo para Halle ser escolhida para o papel.
Aos que falam que é “radicalismo” esse
contraste de “mulher branca para mulher negra” em um filme da Disney, eu digo
que “radicalismo” é ver o contraste da mão branca da polícia estatal batendo no
negro dia a dia sem amparo legal. “Radicalismo”
é você ter um país separando brancos, negros e latinos.
Por: Magnolia Calegário
A Colunista
Magnolia Calegário é Cantora, compositora, escritora, radialista, jornalista, e advogada. Autora do Livro: A Família e o Direito Brasileiro Oitocentista - Reflexos na Contemporaneidade?
Para interagir com a colunista: basta enviar uma mensagem para o blog – usando o menu Contato – ou mandar um e-mail para magnoliacontato@gmail.com
REFERÊNCIAS:
BERRINGTON. Katie. Os
Discursos do Oscar Mais Memoráveis de Todos os Tempos. Vogue. In:
Globo.com. 09 fev 2020. Disponível em: https://vogue.globo.com/lifestyle/cultura/noticia/2020/02/os-discursos-do-oscar-mais-memoraveis-de-todos-os-tempos.html#:~:text=Como%20primeira%20mulher%20negar%20a,t%C3%A3o%20maior%20que%20eu%20mesma..
Acesso: 04/02/2021.
MOREIRA, Isabela. Branca
de Neve não Foi a Primeira Princesa da Disney. In: Globo.com. Revista
Galileu. 05 fev 2016. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2016/02/branca-de-neve-nao-foi-primeira-princesa-da-disney.html#:~:text=O%20lan%C3%A7amento%20de%20Branca%20de,mundo%20fant%C3%A1stico%20de%20Walt%20Disney.
Acesso: 07/02/2021.
Folha de São Paulo
Ilustrada. Não se Ganha um Emmy por Papéis que Não Existem. In: UOL. 21
set 2021. São Paulo. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/09/1684346-nao-se-ganha-um-emmy-por-papeis-que-nao-existem-diz-viola-davis-vencedora-do-premio.shtml.
Acesso: 04/02/2021.
COSTA, Nathália.
OLIVEIRA, Michelli. In: Geledés.org. Porque você Deve Parar de Afirmar que o
Racismo Reverso Existe.26 jan 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/por-que-voce-deve-parar-de-afirmar-que-o-racismo-reverso-existe/?fbclid=IwAR28x7up-7nchoX1_FPt7Zf_-6uRfRG9DlcDql6nTmzZLu620WSn0qtRx1k.
Acesso: 07/02/2021.
BRANT, Ana Clara. Ariel
Negra causa Polêmica entre os Fãs de A Pequena Sereia. Correio Braziliense.
09 de set de 2019. Minas Gerais. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/07/09/interna_diversao_arte,769358/ariel-negra.shtml.
Acesso: 04/02/2021.
[1]
COSTA, Nathália. OLIVEIRA, Michelli. In: Geledés.org. Porque você Deve Parar
de Afirmar que o Racismo Reverso Existe.26 jan 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/por-que-voce-deve-parar-de-afirmar-que-o-racismo-reverso-existe/?fbclid=IwAR28x7up-7nchoX1_FPt7Zf_-6uRfRG9DlcDql6nTmzZLu620WSn0qtRx1k.
Acesso: 07/02/2021.
[2]
BRANT, Ana Clara. Ariel Negra causa Polêmica entre os Fãs de A Pequena Sereia.
Correio Braziliense. 09 de set de 2019. Minas Gerais. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/07/09/interna_diversao_arte,769358/ariel-negra.shtml.
Acesso: 04/02/2021.
[3]
BERRINGTON. Katie. Os Discursos do Oscar Mais Memoráveis de Todos os Tempos.
Vogue. In: Globo.com. 09 fev 2020. Disponível em: https://vogue.globo.com/lifestyle/cultura/noticia/2020/02/os-discursos-do-oscar-mais-memoraveis-de-todos-os-tempos.html#:~:text=Como%20primeira%20mulher%20negar%20a,t%C3%A3o%20maior%20que%20eu%20mesma..
Acesso: 04/02/2021.
[4]
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In: Globo.com. Revista Galileu. 05 fev 2016. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2016/02/branca-de-neve-nao-foi-primeira-princesa-da-disney.html#:~:text=O%20lan%C3%A7amento%20de%20Branca%20de,mundo%20fant%C3%A1stico%20de%20Walt%20Disney.
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[5]
Folha de São Paulo Ilustrada. Não se Ganha um Emmy por Papéis que Não
Existem. In: UOL. 21 set 2021. São Paulo. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/09/1684346-nao-se-ganha-um-emmy-por-papeis-que-nao-existem-diz-viola-davis-vencedora-do-premio.shtml.
Acesso: 04/02/2021.
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