Coluna da Magnolia: Galeria Alaska: Pedaço Proibido do Paraíso
Imagine
você sendo uma criança, dando seus primeiros passos na vida, quando seu jeito
de falar , andar de se vestir, a menino que você sonha em se casar um dia na
escola...Tudo passa a ser motivo de discussão, crítica, agressão, deboche. Esse
pesadelo está sendo vivido agora, por vítimas da homofobia e da transfobia,
muitas vezes mortas ou por assassinato, ou por suicídio.
Para
tamanha injustiça, há resistência: grupos de apoio, as paradas LGBT, os
direitos adquiridos e tantos outros que ainda precisam ser conquistados. Hoje,
porém falaremos de uma peculiar forma de resistência, em um tempo em que se um
policial encontrasse um gay esse gay era preso. 1989. A Galeria Alaska.
A
Galeria Alaska, situada no Rio de Janeiro, em Copacabana, funcionava a noite, longe
dos olhares indiscretos da sociedade. Onde escuro escondia nada mais do que
arte, brilho e felicidade. Um lugar diferente, à parte do senso de moralidade
da sociedade. Escondida em um teatro-sótão. Em que as luzes coloridas
iluminavam o escuro.
Esse
escuro libertava as almas aprisionadas durante o dia. Na Alaska, tais almas voavam
livres e libertas em um paraíso que existia, mas que ninguém queria aceitar que
existia. Homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e as primeiras drag
queens do Brasil. Shows performáticos. Os primeiros stripers masculinos. O
público gay e a arte gay viveu e se desenvolveu no Brasil na galeria Alaska.
Ironicamente conhecida como “inferninho”.
Não,
senhores. O termo “inferninho” não faz jus à galeria Alaska, pois relaciona a
homossexualidade a algo pejorativo: “inferninho”. A galeria Alaska era o pedaço
do paraíso que a sociedade teimava em não ver.
Em
um país historicamente influenciado pelo Catolicismo e com o Protestantismo
crescendo em enorme proporção, temos como resultado uma moralidade pautada nos
valores cristãos. Tão grande essa influência nos valores da comunidade, que no
preâmbulo de nossa Constituição Federal, a mesma que insiste que o Estado é
laico temos que: “Nós, representantes do povo brasileiro (...) promulgamos, sob
a proteção de Deus a seguinte Constituição (...)”. Tais heranças baseadas
principalmente no Cristianismo faz com que a sociedade, através de sua régua
moral, exclua certos grupos sociais, o que fere princípios como igualdade,
liberdade, e a própria noção de democracia, em um Estado que deveria ser laico.
Por
muito tempo, mulheres eram fadadas a relações abusivas, a casamentos infelizes
por anos a fio, pois desquitadas seriam mal vistas pela sociedade e seus
parâmetros morais. Tiveram menos direitos em um país que deveria prover a
igualdade, liberdade, dignidade e democracia.
O
que temos dia após dia é uma “luta constitucional”, ou seja, lutar para que
nossa Constituição cidadã, perfeitamente redigida e completa em sentido de
direitos, vigore de fato na sociedade. E ainda estamos muito longe. Pessoas
matando outra por heranças religiosas é barbárie. É bem nesse estágio que ainda
estamos.
Vale
salientar que orientação sexual não é escolha do indivíduo. Existem estudos
científicos que provam isso. Deixei um link de um vídeo no final do texto que
detalha bastante essas questões de cunho científico. Mas para citar alguns
pontos, houveram estudos com irmãos gêmeos univitelinos que mostraram que a
homossexualidade tem a ver com o par, sendo muito mais predominante do que no
resto da população. Ademais, há concentração de homossexuais em determinadas famílias,
denotando a questão genética. E a homossexualidade existe em todas as sociedades que foram estudadas
até hoje; desde as sociedades de caça e coleta até as sociedades mais
desenvolvidas.
Importante
esclarecermos alguns termos. Nos anos 90, a homossexualidade saiu da lista de
distúrbios mentais, o que fez com que 17 de maio fosse o dia mundial da luta
contra a homofobia. Ademais, o último Manual Diagnóstico de Transtornos
Mentais, o DSM-V, popularmente conhecido como a Bíblia da Psiquiatria, não traz
mais a Transexualidade no seu rol de transtornos.
Importante
esclarecer que identidade de gênero é
uma percepção intima que o indivíduo tem de si; como sendo mulher, homem ou uma
concentração dos dois. Logo, identidade de gênero nada tem a ver com a genitália
que o indivíduo possui; a genitália do indivíduo tem a ver com seu sexo biológico.
Também
é importante esclarecer a diferença entre A Homofobia e a Transfobia. Homofobia
é o preconceito contra pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo, inclui-se
nesse grupo gays, lésbicas e bissexuais. Transfobia é o preconceito em razão da
identidade de gênero, ou seja, o preconceito contra travestis e transexuais.
Me
parece confuso: critica-se tanto o radicalismo religioso, enchendo as redes
sociais de bandeirinhas por conta dos ataques terroristas na Europa e nos
E.U.A. (como se o resto do mundo não tivesse problemas similares). Mas logo em
um lugar em que mais mata transexuais no mundo por conta de argumentos
religiosos rasos do tipo “Deus fez o homem para a mulher”, como diz nosso livro
Sagrado, encharcado de sangue de civis inocentes, tão quanto qualquer outro,
como o Alcorão.
Nosso
Congresso é uma piada pronta: uma enorme bancada religiosa, interferindo no
destino da população, ao mesmo tempo que temos o art. 5º, inc. VI da CF, e o
art. 19, inc. I, que institui o Brasil como um Estado laico. Aliás, nem
adentremos em discussões a respeito de nosso Congresso e nossas leis. Eu me
sinto uma idiota falando dessas instituições falidas, principalmente nos tempos
atuais.
Ainda
não tenho filhos, mas terei. E confesso ter pavor do que possa acontecer com
ele caso seja homossexual ou transexual. Certamente não iria cria-lo nesse
campo de guerra. E não exagero nem um pouco quando digo isso. Não se trata
apenas de risos, deboches e preconceitos diários por parte de filhos criados
por pais que teimam em não lhes ensinar a lidar com a diferença. Meu medo é
concreto, estatístico e probatório.
No
Brasil, a união estável entre casais do mesmo sexo foi legalizada em 2011. O
casamento em 2013. A adoção também é um direito dos LGBT´s. Mas o que me parece
é que tais conquistas fomentam ainda mais o ódio dos cidadãos conservadores.
Nunca se matou tanto por homofobia como hoje no Brasil.
Vale
salientar ainda que a Homofobia e a Transfobia são problemas graves e
crescentes de saúde pública. Segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB) em
2017 houve recorde de morte de LGBT´s no Brasil. Até o dia 20 de setembro de
2017, 277 homicídios foram registrados, o que equivale a um assassinato por
dia. Ou seja, mais do que em 1969.
Em
1969, através do Decreto-Lei nº 1001/69, durante o regime de 64, foi inventado
o crime de pederastia, que punia atos sexuais dentro das Forças Armadas, sendo
estes homossexuais ou não. Acontece que as Forças Armadas em 1969 era composta
basicamente por homens. Mulheres são isentas de serviço militar obrigatório,
apenas se desejarem entrar por concurso.
Igrejas
começaram a surgir na Alaska. Uma, depois duas ... Começaram fervorosos discursos
de ódio contra os LGBT´s que lá vivam. Aos poucos, o paraíso foi sendo invadido
pelo o que a sociedade tem de pior: ódio, preconceito e fanatismo.
Com
um bom investimento, as luzes coloridas na escuridão foram se apagando e a
galeria Alaska, que chamou a atenção de nada menoss do que Mick Jagger e Freddy
Mercury, por conta de sua ousadia e diversidade, coisa que já acontecia muito
na Europa, mas era raríssimo em terras patriarcais que até hoje fedem a
provincianismo e preconceito. As luzes foram pouco a pouca se apagando, e o
brilho se dissipando. Deus sabe lá o porque. Mas os fiéis das igrejas que
dominaram a galeria Alaska sabem. E como sabem.
Foi-se
o brilho, a luz, o som, deixando ecoar na memória a felicidade que ali
frequentou. E que foi vencida pela luz cínica do sol, que não nasce/nascia para
todos. Muitas das drags queens continuaram seu trabalho, como a Rogéria,
nacionalmente conhecida. Enfim, muitos dos que frequentaram a Alaska não se
deixaram abater, sobrevivendo no pedaço de terra que mais mata LGBT´s no mundo.
Muitos
ainda enfrentam a luz do sol, a escuridão da noite, sem saber se na próxima
hora estarão machucados, presos, mortos ou estuprados. Enfrentam a dor da
rejeição familiar e social, pelo simples direito de amarem e serem amados. E
irão se fortalecer cada dia mais, não importa se o obstáculo dobra, triplica,
quadruplica de tamanho. O show deve continuar.
VÍDEO REFERENTE A
EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA SOBRE HOMOSSEXUALIDADE E TRANSEXUALIDADE:
REFERÊNCIAS:
MADEIRO,
Carlos. ONG Aponta Recorde de LGBT´S
Mortos no Brasil em 2017. In: Uol Notícias; Cotidiano. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/09/25/brasil-tem-recorde-de-lgbts-mortos-em-2017-ainda-doi-diz-parente.htm
. Acesso: 25/02/2018.
BARCELLOS,
Aline; NASCIMENTO, Jaline; HENNING, Herbert. Galerias e Suas Tribos: Caminhos da Reportagem. Exibido em:
11/08/2011 na TV Brasil. In: You Tube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YExbxfXEMKA.
Acesso: 26/02/2018.
REGIS.
Breve História da Boate Sótão. In:
Grisalhos. Disponível em: https://grisalhos.wordpress.com.
Acesso: 25/02/2018.
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