Lava Jato discutiu buscar dados da Receita sem lastro judicial no caso de Lula
A pressão sobre a força-tarefa da Operação Lava Jato voltou se elevar neste domingo com a publicação de reportagem do The Intercept e da Folha que mostram os procuradores solicitando a um funcionário da Receita Federal um pente fino de dados vinculados a pessoas do entorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo sem ter requisitado autorização legal para fazê-lo. Nas mensagens privadas, obtidas pelo The Intercept,
os procuradores liderados por Deltan Dallagnol acionam auditor fiscal
Roberto Leonel, então chefe da área de inteligência da Receita em
Curitiba. Leonel está, desde o começo do Governo Bolsonaro, no comando
do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), justamente o
órgão no centro do debate sobre os limites legais para investigação
fiscal sem expresso lastro do Judiciário.
“Quero pedir
via Leonel para não dar muito na cara, tipo pescador de pesque e pague
rsrsrs”, diz o procurador Roberson Pozzobon em uma mensagem a Dallagnol
em 2015, via aplicativo Telegram. Pozzobon se referia a buscar dados
relativos a Taiguara Rodrigues, um sobrinho de Lula que havia feito
negócios em Angola com ajuda da Odebrecht —o tema virou ação na Justiça
de Brasília e Lula foi absolvido. Em outros diálogos, a força tarefa
também discute como acessar dados de outros parentes de Lula e de seus
seguranças ligados ao caso do sítio de Atibaia, pelo qual o petista foi condenado pela segunda vez neste ano.
Leonel também aparece informando aos procuradores de dados fiscais de
pessoas ligadas a outros investigados da Lava Jato, como ex-deputado
Rodrigo Rocha Loures, acusado de intermediar o recebimento de propina
para o também ex-presidente Michel Temer.
Advogados ouvidos pela Folha e Intercept
dizem que rastreios detalhados na Receita, como os discutidos nas
mensagens, não podem ser feitos sem autorização judicial. Os veículos
frisam que as mensagens examinadas não permitem saber se Leonel atendeu
ou não aos pedidos dos procuradores de Curitiba. Em alguns trechos, o
então funcionário da Receita e Dallagnol discutem como acessar
determinados dados sem deixar rastro.
A
força-tarefa reiterou neste domingo que sempre agiu seguindo a lei, e
que não reconhece as mensagens porque são fruto de "um crime
cibernético". Dallaganol se manifestou no Twitter, endossando seus
companheiros de força tarefa escreveram artigo no jornal O Estado de S. Paulo
se defendendo. "O Estado funciona melhor na repressão de crimes de
colarinho branco quando Ministério Público, Receita Federal, Polícia
Federal, Coaf, Cade, CGU e outros órgãos cooperam entre si ou quando
cada um se isola? A resposta é óbvia", escreveram Orlando Martello, Paulo Roberto Galvão e Roberson Pozzobon.
As
revelações são mais um elemento que a defesa de Lula pretende usar para
convencer as cortes superiores, e especialmente o Supremo Tribunal
Federal, de que o petista, condenado duas vezes pela Lava Jato, não teve
direito ao devido processo legal.
Em nota divulgada neste domingo, a
defesa diz o ex-presidente "é vítima de uma conspiração por partes de
alguns agentes públicos que atuaram para condená-lo sem que ele tenha
praticado qualquer crime". "Antes de qualquer decisão judicial de quebra
dos sigilos os procuradores da Lava Jato e ocupantes de elevados cargos
da Receita Federal acessavam informal e permanentemente informações e
dados protegidos pelo sigilo constitucional e legal contra alvos
previamente eleitos e todas as pessoas a ele relacionadas", escreveram
os advogados Cristiano Zanin e Valeska Zanin, que assinam o texto.
Em junho, o Supremo decidiu congelar, com a promessa de retomar em breve, a análise de um pedido de habeas corpus de Lula,
que argumenta que o então juiz Sergio Moro agiu de forma parcial ao
julgá-lo. Neste pedido, a defesa do petista menciona a série do The Intercept, onde
o ex-magistrado também aparece. Há um debate sobre o uso dos diálogos
como prova —especialistas criminais argumentam que, em tese, as
mensagens, independentemente da origem delas, poderiam ser usadas para
defesa dos réus implicados, ainda que não, a princípio, para incriminar
seus participantes.
As tramas de cruzam
As
revelações também vem à tona em um ambiente já agitado por decisões do
Supremo relativas ao uso de dados fiscais, algumas delas consideradas
controversas. Em julho, o presidente do STF, Antonio Dias Toffoli,
suspendeu todas investigações baseadas em informações do Coaf, agora sob
o comando de Leonel, incluindo uma que corre na Justiça do Rio e tem
como alvo o filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro. A medida foi
criticada por sua abrangência por especialistas em lavagem de dinheiro.
Em outra decisão, o ministro Alexandre de Moraes, anulou investigações
da Receita envolvendo 133 pessoas, incluindo as mulheres de Toffoli e do
também ministro Gilmar Mendes.
Toda a trama se
desenvolve quando ainda está em curso a investigação de um trio detido
sob suspeita de ter hackeado várias autoridades da República, inclusive
Dallagnol. Um dos presos, Walter Delgatti, diz ter passado de forma
anônima as mensagens ao The Intercept —o site não comenta suas
fontes. Dois ministros diferentes do Supremo já pediram acesso às
mensagens supostamente em poder os detidos. Some-se a isso o fato de que
tanto parcelas de integrantes da Polícia Federal quanto da própria
Receita estão em disputa aberta com Jair Bolsonaro, reagindo ao que
chamam de ingerência presidencial em suas funções. Neste xadrez, outro
elemento deve ser revelado nos próximos dias: o próximo procurador-geral
e chefe do Ministério Público, a ser escolhido ou escolhida pelo mandatário, que terá papel no futuro da Lava Jato.
Fonte: El País
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