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Brincando com blindados

 

Quando era pequeno, eu adorava brincar com miniaturas de soldados e tanques de guerra. Na época, nos anos 80, podia-se comprar dúzias de bonequinhos de plástico, por pouco dinheiro, em qualquer supermercado. Era um sonho. Aí, ao entrar na puberdade, passei a ter vergonha dos joguinhos de guerra. Tocar violão e ler livros inteligentes era a jogada certa para quem queria ganhar pontos com os amigos e o sexo oposto.

Quando homens adultos exibem o potencial militar de seu país, a intenção é intimidar tanto outros países quanto os inimigos internos: "Vejam só que armas imponentes e aniquiladoras eu tenho!" Vemos as gigantescas paradas na China, Rússia ou Coreia do Norte, em que os líderes – todos homens, aliás – mostram seus músculos. Quanto à discussão sobre até que ponto isso seja também uma demonstração de potência, prefiro deixar para os psicoterapeutas.

O desfile de um comboio militar pela Esplanada dos Ministérios e pela Praça dos Três Poderes em Brasília não foi nenhum sinal para os vizinhos. Não se tratava de dissuadir a Argentina, Paraguai ou Guiana de um avanço sobre o Brasil: ele serviu unicamente para sublinhar a recente ameaça de Bolsonaro de que poderia agir fora da Constituição.

Após ameaçar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes – "A hora dele vai chegar" – e xingar o colega dele Luís Roberto Barroso de "filho da puta", agora rolam os tanques.

Jogando com medos primordiais

A sugestão de violência contra adversários políticos – e a passagem do comboio nada mais é que isso – sempre fez parte dos truques de Bolsonaro. O suposto plano de explodir bombas em quartéis – com que, nos anos 80, o capitão pretendia pressionar o comando do Exército por aumento de salários – já seguia esse esquema.

Mais tarde, nos anos 90, ele mencionaria 30 mil oposicionistas que era melhor a ditadura ter matado. Numa mensagem de vídeo, pouco antes das eleições de 2018, ameaçou expulsar os seus rivais do país.

Bolsonaro sabe do efeito traumático que a perspectiva de violência concreta tem sobre seus opositores políticos. A ameaça de sair das "quatro linhas" da Constituição joga com o medo primordial humano de recaída numa situação social anárquica, em que o mais fraco está indefeso diante de quem tem vantagem física.

O Estado moderno, baseado na divisão dos Poderes e nos pesos e contrapesos, visa justamente evitar isso, permitindo, assim, a seus cidadãos viverem em paz entre si.

Temor de uma nova ditadura

Em muitos bairros pobres brasileiros já – ou melhor, ainda – reina aquele estado primordial anárquico. Lá, a passagem de tanques não é nada fora do comum. Mais ainda: atira-se com munição viva a partir de helicópteros e veículos blindados, e muitas vezes as balas atingem crianças e moradores a caminho da escola ou do trabalho.

Lá se joga roleta russa com a população. Morrer ou viver não depende de ser um cidadão de bem ou um bandido, de ser um bom cristão ou ateu: é puro acaso.

A ameaça de Bolsonaro se dirige àquelas parcelas da classe média e alta que não gostam dele – as quais, segundo pesquisas de opinião, são uma grande maioria dos brasileiros. Desse modo, ele ameaça ampliar essa zona anárquica para incluir as vidas até então tranquilas e protegidas dos seus opositores. É a ameaça de transformar suas vidas também num caos, igual às das classes pobres.

Esse truque de mágico de rua só funciona porque a sociedade brasileira, apesar de todas as asseverações das Forças Armadas, não está segura de que não possam se repetir uma tomada de poder como a de 1964 e o subsequente terror.

Tais dúvidas são reforçadas pela poderosa presença dos militares no governo Bolsonaro. Nomear o general Eduardo Pazuello ministro da Saúde foi um sinal claro: não importa quantos brasileiros morram de covid-19, "um manda, o outro obedece".

Tomara seja só um truque

Entretanto, culpados pela atual bagunça são também os outros Poderes, o Judiciário e o Legislativo. Nenhum dos dois quis ou ousou impor limites ao deputado Bolsonaro quando ele pregou o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso; ou exaltou o torturador Carlos Brilhante Ustra durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Agora, a questão é correr atrás do prejuízo. A Justiça decidiu proceder contra o presidente por divulgação de notícias falsas. Paralelamente, a CPI no Senado visa responsabilizá-lo por sua política para a pandemia de covid-19. E, ignorando os blindados, ainda no mesmo dia a Câmara bloqueou a PEC do voto impresso.

Tudo isso traz esperanças de que os truques de camelô de Bolsonaro sejam finalmente desmascarados como tal. E de que, tomara, não passem mesmo de truques baratos.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.


Fonte: DW


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