Areia: Alunos assistem a aulas debaixo de lonas e sem merenda na Paraíba
Mães de estudantes varrem a sala de aula e espalham as
cadeiras pela sala antes de começar o dia letivo em Areia (PB).
Crianças debaixo de lonas, sem água nem ventilador. O chão é
de terra batida. Mães de estudantes varrem o local e espalham as cadeiras pela
sala.
Nesse improviso, cerca de 50 alunos assistem às aulas na
comunidade São José, na zona rural do município de Areia (PB), a 130 km de João
Pessoa. Também faltam merenda e material escolar, embora exista sinal de
internet Wi-Fi.
As aulas, que inicialmente eram de manhã e à tarde, agora só
acontecem no turno matutino em razão do calor sufocante debaixo do plástico. E
a situação precária não tem prazo para terminar, já que o caso está em disputa
na Justiça.
A denúncia feita pelo Ministério Público Estadual aponta que
foram fechadas 13 escolas na região, afetando cerca de 300 alunos. O anúncio do
fechamento aconteceu no final de janeiro, quando teve início o ano letivo. A
medida atinge crianças e adolescentes com idades entre 4 e 15 anos, tanto na
educação infantil quanto no ensino fundamental.
Segundo o MP, a maioria dos pais, ainda que insatisfeitos,
realocaram as crianças em unidades de ensino mais distantes de onde moram.
Outros não aceitaram a situação e estão em casa, esperando a decisão judicial.
A escola Emília Maracajá foi a única a insistir nas aulas, mesmo sem mínimas
condições.
A prefeitura local argumenta que a estrutura desses
estabelecimentos era precária, havia demanda insuficiente de alunos e que o
desempenho escolar era baixo. “Ou a gente reestruturava ou continuaria com a
fábrica de analfabetos”, diz a secretária de Educação de Areia, Sandra Araújo
Medeiros. Ela também contesta o número de locais fechados
Já os pais reclamam da distância das escolas para onde seriam
transferidas as crianças e da qualidade do transporte escolar.
“A outra escola é longe. Eu tenho três filhos pequenos, não
tenho condições de sair com dois e deixar a mais nova em casa ou sair
carregando os três. Eles [da prefeitura] dizem que tem transporte escolar, mas
os ônibus estão caindo aos pedaços”, afirma a dona de casa Ana Maria Firmino. A
antiga escola ficava a 800 metros de sua casa. A nova está a quatro
quilômetros.
De acordo com a prefeitura, há transporte para levar os
estudantes, mas apenas dois dos 14 ônibus foram aprovados em vistoria recente.
Para o promotor Newton da Silva Chagas, autor da ação civil
pública que contesta o fechamento das escolas, o prefeito prefeito João
Francisco (PSDB) ) não tomou as providências determinadas pelo Ministério da
Educação e pela Lei das Diretrizes de Bases ao pôr fim ao sistema de ensino
multisseriado, no qual alunos de séries e idades diversas têm aula na mesma
sala.
Segundo o MEC, a orientação é que alunos de idades e séries
diferentes estudem em salas diferentes, com conteúdos específicos. Para o MEC,
colocar todos na mesma sala compromete o aprendizado.
“Os pais dos alunos denunciaram que alguns veículos não têm
freio de mão, que as portas não fecham e outras situações que colocam em perigo
a vida dos estudantes”, relatou o promotor.
Ele também pediu mais dados à prefeitura sobre esse problema
e sobre as medidas tomadas depois do resultado da vistoria. “Mas, pelo que
estou vendo, só querem ganhar tempo, enquanto os alunos sofrem os riscos.”
A dona de casa Martiliana Targino, que mora ao lado de uma
das escolas fechadas, se disse indignada. “Não entendo de leis, mas sei que
isso é um absurdo. Meu filho de nove anos está fora da escola. Todos os dias
ele me pergunta quando o prefeito vai reabrir as salas de aula, e eu não tenho
resposta”, afirmou.
Professoras sem salário e giz doado
No quadro da sala de aula improvisada, uma frase a giz chama
a atenção: “O Brasil é minha pátria”. Também se espalham desenhos coloridos sob
o título “Minha Escola”.
O resultado da tarefa, passada pela professora Josivânia da
Silva Lisboa, a Tia Vaninha, contrasta com a realidade atual. Mostrando os
desenhos colados nas paredes, ela conta que a ideia era que os alunos
desenhassem a escola como a viam. “Os desenhos mostram que eles sonham com uma
escola melhor”, disse.
Tudo é doado na sala debaixo das lonas: lousa, merenda, giz e
garrafão de água.
Mas há também espaço para solidariedade, conta Tia Vaninha.
“Quando veio o anúncio de que a escola ia fechar, os pais se mobilizaram. A
comunidade se sentiu tocada, e cada um passou a ajudar da forma possível, seja
com biscoitos para a merenda das crianças, seja auxiliando na limpeza do
local.”
Ela e outras duas professoras dão aulas de forma voluntária
depois de terem seus salários cortados pela prefeitura.
Emocionada, ela diz que sabe que aquela sala de aula não é o
modelo ideal. “Eu penso em cada um dos meus alunos. Eu quero um futuro para
eles. Tudo isso é muito triste, mas pelo menos estou fazendo a minha parte”,
diz.
Fabiana Batista, também professora voluntária, defende a
permanência dos alunos nas escolas antigas. “Dói muito presenciar essa cena,
não era para ser assim. A educação é linda na teoria, mas na prática a história
é bem diferente.”
“A gente passa quatro anos estudando e vendo teoria. Mas,
quando chega ao batente, encontra várias dificuldades. Não é fácil para
ninguém, mas quem mais sofre são os alunos. O futuro deles fica comprometido”,
afirma Batista.
O que diz o MEC e a prefeitura?
Procurado pelo UOL, o MEC (Ministério da Educação) destacou
que, “de acordo com a Constituição Federal, os municípios, estados e a União
têm autonomia garantida pelo Pacto Federativo”. “Nenhum órgão da União está
acima de qualquer órgão municipal ou estadual.”
O MEC também informou que seu papel é de apoio e que o
assunto deveria ser tratado com a Secretaria Municipal de Educação, “uma vez
que qualquer decisão de fechamento ou abertura de escolas é da própria
secretaria, dentro de sua autonomia garantida por lei”.
Já a secretária de Educação de Areia, Sandra Araújo Medeiros,
reclama das condições anteriores das escolas municipais.
“Antes da nossa gestão, havia escola em que merendeira dava
aula e escola que estava fechada em dia letivo. As mudanças foram necessárias”,
afirmou ao UOL, ressaltando que foram 11, e não 13, o número de escolas
fechadas.
Segundo ela, também há uma tentativa de politizar o
fechamento das escolas.
No cargo desde janeiro de 2017, a secretária diz que, das 24
escolas municipais, apenas seis não eram multisseriadas, o que precisou ser
reavaliado para atender as exigências do Ministério da Educação.
“Além disso, o desempenho era muito baixo. Havia escolas com
distância de 900 metros de uma para outra e com estruturas péssimas. Outras
eram assaltadas diversas vezes. Diante disso, ou a gente reestruturava ou
continuaria com a fábrica de analfabetos”, afirmou.
Sobre o caso da escola Emília Maracajá, Medeiros disse que só
depois de muitas conversas foi apresentada aos pais dos alunos a opção de
transferência para outras escolas.
“A ideia era reabrir a escola por 60 dias e ver se realmente
seria produtivo. Mesmo tendo apenas 14 alunos, íamos reabrir a escola, desde
que os outros estudantes de salas multisseriadas fossem transferidos, mas a
proposta não foi aceita [nem pelos pais nem pelo MP]”, afirmou.
Segundo ela, os alunos da Emília Maracajá não estão
formalmente matriculados e correm o risco de perder o ano letivo.
Pais também se preocupam com o cancelamento do benefício do
Bolsa Família por causa da falta de frequência escolar.
O impasse só deve ser resolvido na Justiça, tendo em vista as
tentativas frustradas de acordo entre as partes.
Em relação ao sinal de internet, a secretária disse que a
antena foi instalada, mesmo com a escola fechada, devido a um atraso na
liberação do processo pelo MEC.
“Quando chegaram para instalar, a escola já estava fechada,
mas, como havia a perspectiva de reabrir, optamos por deixar, pois fazia parte
do acordo com os pais não retirar nada da escola até que a situação fosse
definitivamente resolvida. Infelizmente não teve acordo e agora vamos aguardar
a decisão da Justiça.”
A Justiça estadual deu um prazo de 30 dias, que vence no
final deste mês, para a prefeitura se justificar oficialmente sobre o
fechamento das escolas. Só então a questão vai ser colocada em julgamento.
Fonte: Polemica PB
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