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Ataque contra Irã foi decisão estratégica ou Trump agiu por impulso?


A decisão de Donald Trump de ordenar o ataque que resultou na morte do general iraniano Quasim Soleimani causa ainda mais dúvidas e divisões em Washington. Enquanto os republicanos aplaudem o que consideram como uma atitude corajosa por parte do presidente americano, os democratas alegam que a ação é injustificável, aconteceu por impulso e pode ter consequências perigosas.
Correspondente da RFI em Washington - Ligia Hougland

Washington continua dividida, mesmo quando se trata da morte de um dos seus maiores inimigos. Os republicanos estão cada vez mais unidos ao enaltecer Trump como “salvador da pátria”, ao passo que os democratas continuam a insistir que ele é a maior ameaça à segurança nacional.
Nesta quinta-feira (9), a líder da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi (Califórnia), vai propor uma votação sobre os limites às ações militares contra o Irã ordenadas por Trump. Os democratas dizem que a execução de um militar de um governo oficialmente reconhecido – como foi o caso do general Soleimani – só pode acontecer em caso de guerra, que antes precisa ser aprovada pelo Congresso.
A última vez que o Congresso americano aprovou oficialmente uma guerra foi em 1942, contra a Bulgária, Hungria e Romênia. No entanto, isso não impediu que se aprovassem, ao longo dos anos, enormes recursos para muitos outros conflitos militares.
As operações militares que resultaram nas mortes do saudita Osama Bin Laden, em 2011, em uma operação comandada por Barack Obama, e do iraquiano Abu al-Baghdadi, em outubro passado sob as ordens de Trump, foram de natureza diferente. Tanto Bin Laden quanto al-Baghdadi eram líderes de grupos terroristas e não representantes oficiais de uma nação.

A decisão dos democratas de limitar o poder decisão de Trump quanto a ordens militares veio logo depois de terem ouvido as explicações da Casa Branca para o assassinato de Soleimani. A Casa Branca não conseguiu convencer os membros da Câmara de que o general representava uma ameaça grave e iminente à segurança dos americanos.
Mas os republicanos, que têm a maioria no Senado, já estão dizendo que não existe a menor possibilidade de essa moção vir a ter força de lei. Aliás, uma moção parecida com essa já havia sido aprovada pela Câmara no ano passado, mas foi barrada no Senado.
Agora, o senador Tim Kaine, que, em 2016, foi companheiro de cédula de Hillary Clinton, como seu candidato a vice-presidente, diz que vai forçar a votação dessa moção no Senado novamente na próxima semana. No entanto, há muito teatro em todas as ações.
O resultado dessas medidas já está praticamente decidido, até pelo menos as próximas eleições, em novembro deste ano, que podem mudar a composição do Congresso. Por enquanto, é difícil haver qualquer tipo de medida bipartidária. Então, o destino da resolução que será apresentada nesta quinta-feira deve ser o mesmo que o do impeachment aprovado pela Câmara em dezembro passado. Ambas decisões da Câmara devem sofrer morte praticamente imediata ao chegarem ao Senado para votação.
Dimensão simbólica do ataque
Alguns analistas internacionais dizem que, apesar de a Casa Branca estar tentando minimizar o bombardeio comandado pelo Irã que atingiu a base Al-Asad na madrugada de quarta-feira (8), o ataque tem uma grande dimensão simbólica. Essa é a primeira vez que o Irã ataca diretamente e por meios convencionais instalações americanas. Antes, o Irã se valia de facções ou grupos aliados para fazer represálias. Isso poderia ser visto como o início de um confronto militar aberto entre as duas nações que poderia, inclusive, acabar por envolver outros países em uma guerra com implicações globais.
Mas em uma visão mais otimista, isso também pode indicar uma disposição a uma abertura de diálogo. Afinal, o militar mais poderoso iraniano que, inclusive, poderia passar a comandar o país asiático ao substituir o líder supremo aiatolá Ali Khamenei, foi morto pelos EUA, mas a reação iraniana foi comedida. Dos 22 mísseis que foram lançados, apenas 17 atingiram a base militar e nenhum americano foi ferido ou morto.
Por outro lado, há uma disputa entre o que a Casa Branca e o Pentágono estão dizendo. A Casa Branca afirma que já sabia que o bombardeio ocorreria, pois o Irã havia notificado o Iraque, justamente com a intenção de evitar grandes danos ou mortes. O Pentágono discorda dessa análise e diz que, sem dúvida, o bombardeio tinha soldados americanos como alvo.
Mesmo assim, por enquanto, Trump sai vitorioso e o Irã enfraquecido. Se o Irã não acertou no alvo que pretendia, isso revela um combatente com pouca precisão e eficiência. E, se não quis mesmo causar muito dano, isso indica que Teerã agiu apenas para manter uma aparência de retaliação, mas não quer de fato enfrentar os Estados Unidos. O mais revelador é que, mesmo antes do bombardeio, o governo iraniano já havia anunciado que a retaliação seria proporcional e realizada por meios oficiais. No entanto, o ataque à base Al-Asad de maneira alguma pode ser considerado proporcional, visto que o Irã perdeu seu maior líder militar.
Por um fio
O cenário geopolítico é delicado e pode ficar bastante perigoso, bastando alguém errar no cálculo das provocações. Sempre é possível que o Irã resolva responder com ataques adicionais e mais destruidores, o que poderia causar uma reação calamitosa por parte dos Estados Unidos. Se a China viesse a defender o Irã em um confronto militar, isso teria ramificações globais bastante periclitantes.
Em principio, um Irã em guerra não é uma vantagem para a China, pois a nação depende em parte do petróleo iraniano e de outros países da região. A economia iraniana já está sofrendo com as sanções impostas por Washington e tem uma inflação anual de cerca de 30%. Uma alta no preço do barril do petróleo não seria uma boa notícia para a China. Já os Estados Unidos são autossuficientes em termos de petróleo.
Por outro lado, uma guerra poderia acabar com as chances de reeleição de Trump, afinal os americanos ainda não se recuperaram das cargas financeira e emocional das guerras sem fim e sem propósito concreto no Iraque e no Afeganistão.
Trump se elegeu em grande parte por causa do seu discurso isolacionista, prometendo trazer as tropas de volta para casa e não se envolver em conflitos no Oriente Médio. Mas muitos em Washington acreditam que Trump está sendo influenciado pela poderosa indústria militar, parecendo até mesmo estar copiando a filosofia de Ronald Reagan de “paz pela força”. Os pré-candidatos democratas já estão explorando isso, é claro. E não é um segredo que o governo chinês prefere um democrata na Casa Branca, com uma política de negociação mais amena.
Possíveis diálogos entre Irã e EUA
Também é possível que Teerã já esteja dialogando com Washington e Khamenei não ter ficado de fato tão abalado com a morte de Soleimani. Sem o general, o aiatolá ficaria mais livre para fazer um novo acordo com a Casa Branca, já que Soleimani poderia ser visto como um obstáculo.
Na quarta-feira (8) Trump anunciou novas sanções econômicas contra o Irã, mas se disse “pronto para a paz”. Essas podem ser uma série de jogadas ensaiadas para que os dois lados possam fazer o papel de durão, ao mesmo tempo em que estão negociando. Isso explicaria o enigma de por que Trump resolveu eliminar Soleimani e correr um sério risco de confronto militar com o Irã em um ano de eleição. Mas outro grande enigma ainda persiste: se Trump toma decisões com base em uma estratégia não convencional ou age apenas por impulso.

Por:  Ligia Hougland - RFI/GGN

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