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COLUNA DA MAGNÓLIA: AMPUTADOS POR ESCOLHA: FELIZ EM NÃO ESTAR COMPLETO


Se sentir feliz. Se sentir completo. Tal questão é tão importante na vida dos seres humanos que temos no ordenamento o princípio jurídico da busca da felicidade. Mas, a própria doutrina e jurisprudência admite ser o conceito “busca da felicidade” algo muito genérico, que praticamente varia em cada caso concreto. 

E se felicidade significar ter o corpo mutilado? De fato isso seria socialmente e moralmente reprovável. Mas a homossexualidade por muito tempo também o foi, então, não seria sensato traçar parâmetros, já que a mutilação não afeta a vida de terceiros, assim como a orientação sexual das pessoas. Mas estaria o indivíduo “doente”? Se “ferindo”? Necessitando de tutela?

O ato da automutilação não é crime no nosso ordenamento. Porém o art. 13 do Código Civil diz ser proibido fazer “disposições” do próprio corpo, quando isto resultar em diminuição permanente da integridade física, mutilações ou contrariar os bons costumes, exceto se por exigência médica. Em suma, “ferimentos” que possam desaparecer com o tempo não são puníveis, mas os ferimentos permanentes sim (ex: um arranhão, um leve corte). 

Porque fazer um ferimento seria algo reprovável? Pela dor? Se for por isso, a prática difundida (inclusive nos grandes meios de comunicação e cinema) do sadomasoquismo desmente. Ou seja, e se a pessoa quiser? 

Pelo fato de não se ter mais volta? Tantos procedimentos são feitos corriqueiramente sem que o indivíduo tenha segunda chance para se redimir: tatuagem, plásticas, aplicações botulínicas e por aí vai...

Pela reprovação social? Para mim a sociedade deveria se sentir menos ofendida com o que não lhe diz respeito. 

Cortes, mordidas, arranhões, queimaduras que possam desaparecer com o tempo ou tratamentos não são tratados como crimes. Ou seja, quando é uma ferida irreversível, que acompanhará para sempre o indivíduo, a automutilação vira crime. Cortar um braço, um pé, uma mão pelo bel prazer de cortar não “rola” no nosso país. Mas alguém faria isso? Cortar o próprio braço? Sem ter nenhum problema mental? Sim!

São chamados de amputados por opção, ou amputados por escolha. Tais pessoas apenas se sentem completas com a ausência de algum membro do corpo, o qual a mesma não reconhece como sendo “seu”. Se não forem amputadas, tais pessoas podem ter sérias crises de identidade, depressão e chegarem a elas mesmas tentarem se amputar, o que pode gerar morte por infecção ou hemorragia, se não forem socorridas a tempo. Veja o depoimento de uma delas, - transcrito em reportagem da revista Superinteressante - Vickers:

“O dia 21 de junho de 1984 foi o dia em que atingi meu sonho, meu Nirvana”, escreveu em suas memórias o australiano Robert Vickers, de 67 anos. “Foi o dia em que renasci em um novo corpo – um corpo com uma só perna.” (SUPERINTERESSANTE)

Há bastante polêmica no ramo da Psiquiatria quanto a classificação dos amputados por escolha como “doentes mentais”, isso porque levam sua vida com amigos, família, profissão:

O único porém é que não se identificam com um corpo inteiro. E, tal como um homem transexual insatisfeito por ter um pênis, os transabled (corruptela de “disabled”, termo inglês para deficiente) sentem um desejo incontrolável de se livrar de um ou mais membros do corpo. Em alguns casos, querem virar paraplégicos. (...)O transtorno não é reconhecido no DSM, principal manual de psiquiatria. Mas, numa pesquisa de 2004, o psiquiatra Michael First, editor do DSM, identificou 52 portadores do transtorno – 47 deles homens, com idade média de 49 anos. Deles, 9 já tinham se amputado, 6 por conta própria e 3 com cirurgiões. (SUPERINTERESSANTE)

O médico First, em entrevista transcrita na Revista Superinteressante, diz que a vontade de se livrar de um membro do corpo é incurável:

(...) não se trata de um desejo qualquer. Nem psicoterapia nem medicação mudam a vontade de se livrar de parte do corpo. (SUPERINTERESSANTE)

Robert Vickers, em entrevista transcrita na Superinteressante disse, após ter sua perna esquerda amputada:

“O que eu fiz dá muita raiva em pessoas que perderam um membro acidentalmente. Mas o que dizer de mim? Só felicidade e nenhum arrependimento.” (SUPERINTERESSANTE)

Os malefícios que a não perda do membro pode causar ao indivíduo são muito maiores do que se o indivíduo continuar com o membro, como foi explicitado nas linhas acima.  Ademais, a percepção mental que os amputados por escolha tem sobre seus corpos é algo, que se fosse caracterizado como doença, seria de qualquer maneira incurável. 

Em uma visão detalhada, o artigo 13 do Código Civil não se aplicaria aos amputados por escolha, devido as diversas particularidades: principio da busca pela felicidade; o fato de a vontade do agente ser imutável (a percepção mental que os amputados por escolha tem sobre seus corpos não tem “cura”, logo dificilmente ele se arrependeria de ter seu membro amputado); a saúde do indivíduo (a não satisfação com a imagem por parte desse grupo pode trazer vários distúrbios).


REFERÊNCIAS:

GILBERT, Melody. Whole: A Documentary. Dirigido por Melody Gilbert. 2003. Disponível em: http://frozenfeetfilm.com/whole/. Acesso: 29/04/2018.

OLIVEIRA SANTOS DE LIMA, Regina.  Automutilação é Crime. https://reginaoslima.jusbrasil.com.br/artigos/261402763/automutilacao-e-crime. Acesso: 29/04/2018.
Amputados por Opção. https://super.abril.com.br/ciencia/amputados-por-opcao-4-e-demais/. Acesso: 29/04/2018.





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