Com aglomerações, Brasil vive "pior momento da pandemia" e deve passar de 100 mil mortes
RIO DE JANEIRO (Reuters) - As cenas de aglomerações flagradas por todo o país podem passar uma impressão de volta à normalidade, mas o Brasil atravessa atualmente o momento de maior disseminação do coronavírus e registra a mais elevada média de mortes por dia, rapidamente se aproximando do marco sombrio de 100 mil óbitos e sem expectativa de recuo nas próximas semanas.
Medidas de isolamento voltadas a diminuir a transmissão do vírus foram afrouxadas em praticamente todo o país diante da pressão econômica e da ausência de uma ação nacional coordenada, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro sempre se mostrou contrário às quarentenas e criticou governadores e prefeitos que as decretaram.
Com restaurantes, bares, academias e shoppings abertos, o coronavírus encontrou terreno fértil para avançar pelo país, que registrou na semana passada seu maior número de casos semanais desde o início da pandemia: 319.653 infecções, uma alta de 36% em comparação com os 235.010 da semana anterior.
Também foi registrado o maior número de mortos em uma semana epidemiológica desde o início da pandemia, com 7.677, uma média de 1.096 por dia — na sexta semana seguida com mais de 1.000 mortes por dia em média.
“As previsões de comportamento de curva de pico não se confirmaram e infelizmente o Brasil está vivendo a pior fase da pandemia, e paradoxalmente as políticas públicas e o próprio comportamento da população vão no sentido contrário, como se nós não estivéssemos vivendo uma tragédia diária”, afirmou Alexandre Naime, chefe do departamento de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Vamos viver nessa condição de um número médio acima de 1.000 ou 1.100 óbitos por muitas semanas, talvez por muitos meses, o que vai levar a um número total de óbitos infelizmente trágico, provavelmente muito superior a 100 mil óbitos”, acrescentou.
Depois de rondar os 50% de adesão ao isolamento social no final de março e durante o mês de abril, o país atualmente tem registrado menos de 40% de adesão durante quase todos os dias de semana em julho, chegando a registrar 35,2% de isolamento no dia 17, segundo o Índice de Isolamento Social — ferramenta que utiliza dados de localização de aplicativos instalados em mais de 60 milhões de telefones celulares pelo país.
Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, usuários do transporte público têm relatado superlotação em ônibus, trens e metrô apesar da pandemia. Uma ameaça de greve na capital paulista, que acabou não se concretizando, gerou aglomeração em diversas estações na manhã desta terça-feira.
Acompanhando o aumento do número de pessoas nas ruas, o Brasil registrou na semana passada o recorde diário de 67.860 casos na quarta-feira e passou dos 50 mil nos três dias seguintes — algo que só havia acontecido uma vez desde o início da pandemia, em 19 de junho, quando o Ministério da Saúde disse que houve a inclusão de dados represados no sistema.
CURVA: SEM ARREFECIMENTO
Segundo país mais afetado pela pandemia, com 2.442.375 casos e 87.618 mortes, o Brasil parece seguir os mesmos passos dos Estados Unidos, o país mais atingido do mundo, de acordo com o pesquisador Christovam Barcellos, coordenador do Monitora Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
“A curva do Brasil, infelizmente, não mostra nenhum sinal de arrefecimento, de diminuição da transmissão, isso é muito preocupante”, disse. “Um cenário possível é repetir os Estados Unidos, que não é uma segunda onda, é uma onda em cima de outra onda. Subiu, estabilizou e subiu novamente. O cenário não é bom.”
O Brasil registrou média de 45,6 mil casos por dia na semana passada, o que indica que o terceiro milhão de casos será mais rápido que o anterior. Se a média for mantida, serão necessários 22 dias, ante os 27 dias passados para o segundo milhão, atingido em 16 de julho. Para o primeiro milhão foram quase quatro meses.
Barcellos alertou que nas próximas semanas o aumento nos casos pode resultar também em alta nas mortes, principalmente diante da maior exposição de pessoas do grupo de risco ao vírus.
“No começo da pandemia havia um cuidado enorme com idosos e portadores de doenças crônicas, mas agora em diante a gente pode expor essa população que estava protegida, seja pela volta das pessoas ao trabalho ou até pela volta às aulas que já está sendo considerada em diversos Estados”, afirmou.
“Estamos prevendo, infelizmente, um aumento do número de mortos.”
A aceleração da pandemia ocorreu simultaneamente com um processo de interiorização, em que os focos saíram das capitais mais atingidas inicialmente e passaram para cidades do interior e Estados que evitaram o primeiro impacto da doença por terem menor ligação com o exterior.
A Região Sul atualmente registra crescimento acelerado no número de casos de Covid-19, anulando quedas vistas em outros locais do país, como no Rio de Janeiro e em alguns Estados do Norte e do Nordeste.
Questionado, o Ministério da Saúde apontou o avanço nos Estados do Sul, reforçado pela chegada do inverno, como principal motivo para o maior número de casos de Covid-19 no Brasil desde o início da pandemia.
Segundo o ministério, uma portaria editada na semana passada que tornou obrigatória a notificação oficial de testes de Covid-19 realizados por qualquer laboratório do Brasil não teve impacto nos números até o momento.
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