Incêndios se alastram pelas matas do Norte e Centro-Oeste e já podem ser sentidos até no céu de São Paulo
E, de repente, São Paulo
escureceu. Nuvens baixas e carregadas, associadas a uma frente fria que
avança do sul, segundo explicam os serviços meteorológicos, fizeram com
que a tarde desta segunda-feira se transformasse em noite já por volta
de 15h. Mas o mau tempo não explica por si só a escuridão que tomou a
capital paulista. A milhares de quilômetros de distância, incêndios nada repentinos se espalham pelas florestas
do Norte do Brasil, se estendendo pelos Estados do Acre, Rondônia, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, chegando à tríplice fronteira entre
Brasil, Bolívia e Paraguai. Imensas áreas da Amazônia e do Pantanal
ardem em chamas há dias. E a forte fumaça, transportada pelo vento em
direção ao Sudeste, já se faz presente nos céus do Estado e
"contribuiu", segundo Marcelo Pinheiro, do Clima Tempo, para que o céu
ficasse mais escuro que o normal.
Não está claro quanto os incêndios dos últimos dias de fato
influenciaram na escuridão em São Paulo nesta segunda. O INPE admitiu
que um corredor de fumaça avançou em direção ao centro-sul do país e
chegou a São Paulo, mas garantiu que esta não era a principal causa para
a escuridão. Mas especialistas já vêm alertando para o fenômeno há
alguns dias. A MetSul, empresa de meteorologia do sul do país, publicou em seu Twitter na noite do último sábado,
17 de agosto, uma fotografia de uma lua alaranjada vista de Livramento,
na fronteira do Brasil com o Uruguai. A tonalidade era causada pelo
efeito óptico gerado pelas partículas na atmosfera vindas dos incêndios
no norte do país. No mesmo fim de semana, o astrônomo Jorge Melendez,
professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
da USP, alertava na rede social sobre o mesmo fenômeno visto de São Paulo.
O
Brasil vive a maior onda de queimadas dos últimos cinco anos, segundo o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O Programa Queimadas
do instituto, vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, registrou
71.497 focos de incêndio entre os dias 1 de janeiro e 18 de agosto
deste ano. O número é 82% maior do que o mesmo período do ano passado,
quando foram registrados 39.194 focos de incêndio. A última grande onda é
de 2016, com 66.622 focos de queimadas entre essas datas.
Não está claro quando a última onda de queimadas começou. Imagens de um
forte incêndio em Rondônia rodaram as redes sociais no fim de semana,
assim como da capital Porto Velho submersa em uma nuvem de fumaça. Entre
às 17h e 18h desta segunda, imagens de satélite em tempo real de
diversas empresas e instituições internacionais —entre elas a NASA—
mostravam alta concentração atmosférica de monóxido de carbono (CO) no
Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O incêndio também
atingiu ao longo do fim de semana partes da Bolívia e do Paraguai, que
finalmente conseguiu controlar as chamas na tarde desta segunda após
21.000 hectares da reserva Três Gigantes, na região da Tríplice
Fronteira, queimarem. Os mesmos satélites mostraram ao longo dos últimos
dias uma forte cortina de fumaça avançando em direção ao centro-sul do
Brasil.
Especialistas e autoridades afirmam que os incêndios nas
florestas são causados pelo tempo seco —em algumas regiões não chove há
cerca de 90 dias— junto com a ação de moradores, fazendeiros e grileiros
que possuem a prática de queimar lixo ou áreas de mata para abrir o
terreno. A Folha de S. Paulo noticiou em 14 de agosto
que fazendeiros do entorno da BR-163, no sudoeste do Pará, haviam
anunciado no dia 10 "o dia do fogo". O INPE registrou nas horas
seguintes uma explosão dos focos de incêndio na região. Já o Acre declarou estado de alerta ambiental pelo aumento no número de incêndios no Estado.
A região está há semanas sob os holofotes internacionais. O presidente Jair Bolsonaro
(PSL) está publicamente em guerra com os dados do INPE que indicam um
forte aumento do desmatamento na Amazônia durante os primeiros meses de
seu Governo. Bolsonaro desacreditou os números e foi contestado
publicamente pelo então presidente da instituição, Ricardo Galvão. O
físico acabou destituído.
O mandatário brasileiro, que vem sinalizando desde a campanha de 2018
para uma flexibilização dos controles de desmatamento, enfraqueceu o
IBAMA e defende a mineração em terras indígenas. Também entrou em rota
de colisão com países como Alemanha e Noruega, que contribuem desde 2008
para o Fundo da Amazônia, um dos responsáveis por financiar projetos de preservação da floresta brasileira. Os repasses de dinheiro foram suspensos.
Fonte: El País
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