Psiquiatra aponta conflitos sociais como fator desencadeante de problemas psicológicos nos brasileiros
Uma das maiores autoridades no mundo em saúde mental, o professor italiano, médico psiquiatra, neurologista e mestre em Administração e Gestão de Serviços de Saúde para Gestores de Saúde, Ernesto Venturini, participou nessa terça-feira (8), do 2º Encontro Reforma Psiquiátrica em Movimento, evento promovido pelo Departamento de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
O professor, que veio à UEPB proferir a palestra “Saúde mental em tempo de cólera”, destacou que a saúde mental deve ser analisada de forma geral, como a vida do ser humano, conforme define a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para ele, a crise global, o estresse, os conflitos políticos, econômicos e sociais, bem como as crises nas instituições, favorecem a geração de problemas psicológicos no brasileiro. “Quando falamos em saúde mental, falamos em senso geral. A saúde mental é a nossa vida nesse tempo de dificuldade, nesse momento de mudanças e de crise, em que não fica claro o que vai acontecer”, destacou.
Conforme o psiquiatra, a exclusão e repressão influenciam na geração de um sentimento de que existe um desastre geral. “A cólera se espalha e não há quem surja para detê-la. O que temos visto no Brasil é uma cultura de ódio, especialmente contra os pobres, como não há em nenhum outro lugar. O respeito vem sendo sucumbido pela arrogância e se dissemina uma campanha de ódio. E o mais grave é que as conquistas sociais parecem escondidas e, junto com elas, os direitos dos indivíduos. Isso gera o caos e essa tormenta produz danos à saúde mental das pessoas, que não encontram meios de reverter esses problemas”, afirmou Venturini.
Ernesto frisou que o Brasil precisa estar preparado para enfrentar essas dificuldades, mas já obteve avanços significativos nesse campo. Além da escassez nos recursos públicos, Ernesto Venturini apontou como maior desafio para superar os problemas relacionados a saúde mental, a incapacidade de entender o problema e lidar com ele. “Todos nós somos vítimas e responsáveis por esses problemas. Por exemplo, o problema climático. Acontece devido a nossa incapacidade de respeitar a natureza. A lógica do consumismo. Tudo isso dificulta a capacidade crítica das pessoas. O ser dar lugar ao ter e, com isso, o sentimento de insegurança e de impotência diante dessa realidade incapacita o ser humano, afeta sua mente e problematiza ainda mais sua existência”, disse.
Ele entende que eventos como o realizado pela UEPB podem contribuir para manter a capacidade crítica das pessoas para enfrentar os problemas crônicos e complexos, causados pela globalização e pelo mercado capitalista. Por isso, o especialista considerou urgente e necessário o debate proposto pelo Departamento de Psicologia em torno da Reforma Psiquiátrica, principalmente para os futuros psicólogos. “É importante todos conhecerem o que significa a reforma da saúde. Para os futuros psicólogos, esse tema é atual, pois eles serão protagonistas desse processo”, salientou.
O psiquiatra ressaltou que, apesar dos desafios, o Brasil já obteve importantes avanços no campo da saúde mental, conforme reconhece a própria OMS, mas ainda precisa de melhorias, principalmente na legislação. O que falta no Brasil, segundo ele, é respeitar a lei e promover uma reforma ampla, que garanta assistência de saúde digna às pessoas. O professor também lançou o livro “A linha curva”, publicado pela Editora Fiocruz. Ele explica que a obra é fruto de sua experiência na Itália, no sentido de fechar hospitais psiquiátricos e abrir serviços alternativos. A obra reúne algumas das palestras do autor, proferidas em países da América Latina, na condição de assessor da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Com o título de “2º Encontro Reforma Psiquiátrica em Movimento: Diálogos com o psiquiatra italiano Ernesto Venturini”, o evento foi aberto em solenidade que contou com as presenças da professora Thelma Maria Grise Veloso, idealizadora e organizadora do evento; do reitor Rangel Junior; do pró-reitor de Extensão, José Pereira; e do chefe de Departamento de Psicologia, professor Francinaldo do Monte Pinto.
Saberes e fazeres
A primeira atividade do evento, pela manhã, foi o lançamento da coletânea “Saúde mental: saberes e fazeres”, publicada pela Editora da UEPB e organizada pelas professoras Thelma Maria Grisi Velôso e Maria do Carmo Eulálio. O professor e médico psiquiatra, Ernesto Venturini, prestigiou o lançamento e destacou que “Saberes e Fazeres” são tópicos importantes pois abordam de forma prática os desafios da saúde mental no Brasil.
Organizadora do livro e idealizadora do evento, Thelma Maria Grise Veloso, destacou que a atividade tem como objetivo incrementar a discussão e a reflexão sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil e em Campina Grande, além de contribuir para formar e capacitar alunos, professores e profissionais na área da saúde mental; bem como fortalecer o movimento antimanicomial. Ela enfatizou que a Universidade Estadual da Paraíba, assim como outras universidades, vem contribuindo com a implementação da reforma, realizando pesquisas, projetos de extensão, estágios supervisionados na rede de saúde mental, discussões em sala de aula, realização de eventos, entre outros. Sobre o livro “Saúde mental: saberes e fazeres”, Thelma destacou que a obra reúne experiências de diversos profissionais da área. O livro, composto por 11 capítulos, já foi lançado em Florianópolis.
A professora Maria do Carmo Eulálio, que também é organizadora do livro e do evento, enfatizou que a proposta do Departamento de Psicologia é mostrar aos futuros psicólogos a necessidade de tratar a “loucura” como promoção da saúde. O paciente com problema psíquicos, precisam ser tratados com dignidade e humanização, conforme defende a docente. Ela lembrou que a cidade de Campina Grande foi uma das pioneiras da reforma psicológica e hoje se destaca pelos avanços da proposta. Atualmente, dispõe de oito CAPS, seis Residências Terapêuticas, uma Emergência Psiquiátrica.
O reitor Rangel Junior parabenizou os organizadores pela iniciativa e deu as boas vindas aos participantes, em especial ao pesquisador italiano que em muito contribui para o debate de um tema tão relevante. Ele enfatizou que esse tipo de atividade sempre ajuda a engrandecer o que constrói o cotidiano dos pesquisadores e estudantes que se dedicam em busca de descobertas importantes no campo da Psicologia, a partir do espaço na UEPB. Rangel, que é psicólogo, também destacou a contribuição que o livro “Saúde mental: saberes e fazeres” pode dar para os avanços dos estudos no campo da Psicologia.
Pró-reitor de Extensão, o professor José Pereira destacou a importância do tema do evento, por ser atual, oportuno e sintonizado com os problemas enfrentados pelos brasileiros. Como psicólogo, Pereira observou que a Reforma Psiquiátrica tem uma trajetória de avanços, mas também de retrocesso que precisa ser discutida. Ele colocou a PROEX a serviço do Departamento de Psicologia para futuras atividades que envolvam a temática. “É uma abordagem necessária de ser colocada em pauta, porque permite que possamos debater problemas do ponto de vista humano, do ponto de vista da saúde. A Universidade deve e pode contribuir com essa discussão”, destacou.
Texto: Severino Lopes - Foto: Givaldo Cavalcanti e Tatiana Brandão
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