Como o Brasil trata a acrilamida, substância presente no café e no pão que pode causar câncer
Na Califórnia, o café amargou: um juiz determinou, no final
de março, que 90 estabelecimentos que vendem a bebida - incluindo a gigante
Starbucks - devem alertar sobre os riscos de câncer que ela representa.
As ameaças em questão giram em torno de uma substância
chamada acrilamida, que surge quando alguns alimentos são torrados, grelhados
ou fritos em altas temperaturas. É o caso não só do café mas também de
alimentos ricos em carboidratos, como batatas, pães e biscoitos.
A decisão do juiz na Califórnia se baseia na legislação do
estado americano, mais especificamente na chamada Proposta 65. Ela prevê que
empresas devem alertar aos consumidores sobre a presença de componentes tóxicos
em seus componentes. A lista de substâncias potencialmente perigosas à saúde -
hoje, eles já somam 900 substâncias.
A acrilamida foi incluída na lista em 1990 após estudos
indicarem o surgimento de tumores associados a ela em cobaias. Testes em
humanos ainda são inconclusivos. Mas, segundo a Sociedade Americana do Câncer,
"em geral faz sentido limitar a exposição humana a substâncias que causam
câncer em animais".
Assim, segundo classificação da Agência Internacional de
Pesquisa sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês), a acrilamida pertence ao
grupo 2A - aquele que inclui os "carcinógenos prováveis".
A decisão judicial na Califórnia se soma a outras iniciativas
no mundo que tentam mediar o contato com a acrilamida.
E no Brasil, como a substância é encarada?
Contato rotineiro
Consultada pela BBC Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) afirmou que não há, hoje, regulação ou estudos para algum
tipo de controle da acrilamida presente em alimentos no país.
Em 2014, porém, um relatório da associação Proteste cobrou
que a agência implementasse o monitoramento da presença da acrilamida em
alimentos vendidos no país, além de um código de boas práticas para a indústria
alimentícia e metas de redução da substância.
Segundo Juliana Dias, técnica e pesquisadora da Proteste,
ainda que os riscos da acrilamida para as pessoas não sejam estabelecidos
cientificamente como outras substâncias, como a nicotina, é preciso que o poder
público monitore a segurança dos alimentos e que o consumidor seja alertado
sobre riscos.
"Em nenhum momento as propostas sugerem que os alimentos
não tenham acrilamida. O que se defende é que seus riscos estejam explícitos
para o consumidor", apontou Dias à BBC Brasil. "Por mais que alguns
alimentos tenham taxas baixas de acrilamida, seu consumo é frequente. São
alimentos rotineiros, como pães e biscoitos. No Brasil, a dieta da população
conta com quantidades massivas de carboidrato".
Apesar de não haver consenso sobre níveis seguros de
acrilamida nos alimentos, o relatório da Proteste, em 2014, mediu o teor da
substância em 51 produtos. O pão francês e biscoitos (doces ou salgados) foram
os que apresentaram as maiores taxas. O documento recomenda: "na dúvida
quanto ao que ingerir para evitar a acrilamida, o ideal é apostar em uma
alimentação saudável".
Experiências lá fora
Enquanto os cientistas tentam definir precisamente os efeitos
da acrilamida para a saúde humana, alguns órgãos reguladores pelo mundo estão
implementando ações para lidar com a substância.
A partir de 2007, a União Europeia passou a monitorar níveis
de acrilamida em alimentos e a publicar guias para setores da indústria
alimentícia com recomendações para a redução do composto.
No início de abril, entrou em vigor no bloco a primeira
legislação da Comissão Europeia regulando níveis de acrilamida para produtos como
pães, cereais e café. As regras exigem compromissos das empresas pela
"mitigação" da substância nos alimentos.
Os Estados Unidos adotaram abordagem parecida, mas hoje não
há compromissos legais pelas empresas ou níveis da substância estabelecidos
pela Food and Drug Administration (agência sanitária dos EUA). No entanto, a
FDA lançou guias com recomendações para redução da substância na produção de
alimentos.
Mais uma vez, a alimentação saudável
Se os produtores ainda debatem como reduzir o surgimento da
acrilamida na própria fabricação industrial dos alimentos - como na etapa da
fermentação dos pães -, os consumidores seguem tendo opção de escolha.
Especialistas recomendam, por exemplo, que pães não sejam
torrados até ficarem com a cor perto do marrom - a preferência é pelo amarelo
dourado. É melhor optar por batatas cozidas do que fritas e, depois de
prepará-las, é importante mantê-las em espaços frescos e escuros. Após ser
armazenada na geladeira, a batata pode ter a incidência de acrilamida aumentada
no cozimento.
E, segundo Juliana Dias, manter uma alimentação saudável é
uma das melhores formas de reduzir o contato com a substância.
"A substituição de alimentos industrializados, que podem
conter a acrilamida, por frescos, é uma forma de evitar a exposição à
substância. Também é válido substituir fritos por cozidos", recomenda a
pesquisadora.
Fonte: BBC Brasil
Nenhum comentário