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Coluna da Magnólia: O demônio de Neon



O DIREITO PRECISA FALAR DE BELEZA

Todos sabemos que a sociedade ocidental tem seu padrão de beleza e consumo, o que move a indústria da moda e de tratamentos estéticos. Só que isso envolve morte. Morte por distúrbios alimentares. Morte por distúrbios psíquicos. Morte de fome por vergonha. Morte em clínicas estéticas baratas com suas “promoções”. Suicídio envolvendo bullying e preconceito. Não podemos negar, portanto, que a indústria da beleza é assunto sério de saúde pública. E peço que antes de criticar, leia esse texto até o final.
É um absurdo um hospital particular cobrar a mais por uma cirurgia por se tratar de “tratamento estético”. Beleza não é futilidade. É tirar a pessoa de uma realidade terrível (volte de novo no parágrafo primeiro) e por em outra a qual possa sobreviver com dignidade. O Direito precisa falar de Estética. O que se fala de Estética no Direito é o básico, quase o medieval. Em suma, a coisa precisa ser muito grave para chamar a atenção:

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. P. Ex.: mutilações (ausência de membros - orelhas, nariz, braços ou pernas etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela barba ou cabeleira ou pela maquilagem; perda de cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes, da voz, dos olhos (RJTJSP, 39:75); feridas nauseabundas ou repulsivas etc., em conseqüência do evento lesivo.” (DINIZ, 1995)

Ou seja, segundo a grande doutrinadora Diniz, precisa ser um dano que exponha ao ridículo e que seja óbvio. Os exemplos que Diniz deu estão mais próximos da palavra “deformidade” do que da palavra “afeiamento”.

É importante pontuarmos esse assunto por uma ótica social antes de seguir com o artigo. O padrão de beleza que temos é fruto de mudanças sociais e também de alguns aspectos científicos. Quanto a beleza, trata-se de um tipo de “oferta e procura”. Antigamente, a oferta de alimentos era baixa e menos calórica, o que tornava as mulheres gordas mais “raras”. Com a oferta cada vez maior de alimentos e cada vez mais calóricos, a beleza magra virou a mais rara, e portanto a mais procurada. De fato, é difícil encontrar algo tão bizarro em termos de magreza como o que vemos nas passarelas atualmente. Quanto a fatores científicos, (que podem ser mudados caso a caso pelo ambiente) estes estão ligados a reprodução. Homens preferem mulheres de cintura fina pois tem o instinto de abraçá-las para a cópula, assim como as com pernas longas pois acreditam que o ato sexual terá maior duração e, portanto, maior chance de fertilização. Quanto ao quadril, preferem largo para o caso de uma eventual prole. Como vimos só o quadril saiu do padrão “Gucci” e “Dolce e Gabbana”.

Entretanto estar nos padrões de beleza da sociedade em que você vive significa muita, mas muita coisa. Para começar, você já pode eliminar os problemas que citei no parágrafo primeiro deste artigo. Parabéns, eles não existem no seu mundo.  Some a isso maiores facilidades em tudo o que for fazer na vida. Desde arrumar um príncipe encantado até conseguir aquele emprego maravilhoso, sem necessariamente ser o mais inteligente (porque sim, isso rola no Brasil).

Acho bom essa onda de quererem flexibilizar o padrão estético, mas o excesso de hipocrisia meio que freia esse movimento. As mulheres “plus size” das revistas estão longe de serem gordas. E vivemos em um mundo em que Katy Perry é considerada uma pin up (conceito para mulher voluptuosa, com muitas curvas, estilo anos 60). É sério isso? Temos que começar com a premissa básica de que o que chamamos de “padrão de beleza” afeta a vida das pessoas em todos os sentidos. E não vamos mudá-lo facilmente. Nem podemos hipocritamente dizer que toda mulher é bonita, sendo que nem toda a mulher tem as mesmas oportunidades de uma mulher bonita tem.

É indiscutível: mudar um padrão imposto socialmente vai demorar. E muito. O que fazer durante os séculos que virão? Em que a luta contra a gordofobia estará aí e o problema também?As pessoas continuarão no parágrafo primeiro desse artigo.

O filme “O Demônio de Neon”, dirigido por Nicolas Winding Refn, mostra a crueldade da indústria da beleza para com as mulheres.  Em “O Demônio de Neon” Jesse (Elle Fanning) é uma adolescente de 16 anos, que praticamente traduz o conceito de beleza. Ela entra no ramo da moda e logo começa a perceber que estava entrando em um campo de guerra, onde o mercado pede garotas cada vez mais jovens e cada vez mais magras. Um mercado doente e mortal.
Em uma cena, cercada por três modelos em um provador de roupas ela é perguntada: “Você é sexo ou é comida?”. Ela não entende e uma das modelos explica que para “durar mais que seus 16 anos” no mundo da moda ela teria que transar com vários influentes em troca de trabalhos.  Isso era ser sexo. Se não ela virava comida das outras modelos, que fariam o que ela não iria fazer (prostituição e outras imoralidades) e acabariam a comendo/encerrando os sonhos de modelo de Jessie.
Em um trecho do filme, pouco antes de ser assassinada pelas 3 modelos, a jovem Jesse faz um discurso em frente a piscina, olhando seu reflexo, como se fosse um desabafo sobre  como o mundo da beleza massacra as pessoas. Em um trecho ela diz “As mulheres fazem tudo para seres iguais a você, se cortam, injetam, morrem de fome.”
Cada uma das três modelos explica um lado cruel da indústria e dos padrões de beleza. Um mais cruel que o outro.  Sarah representa  a beleza natural. Em um trecho do filme diz “Eu sou um animal”, depois que um fotógrafo propôs sexo em troca de um trabalho. Sarah havia perdido a sensibilidade, havia virado uma máquina, que pisa em tudo e em todos para conseguir o que quer. Diddie representa a beleza fabricada: já era “velha” para a modelagem e por isso fazia n procedimentos estéticos, o que deixava ela parecida com um boneco sem expressão.  Ruby é uma maquiadora, e representa a beleza interior, carente por sua “hipossuficiência” perante aos padrões de beleza. As três haviam perdido a pureza. E por isso invejavam Jesse. Não invejavam somente a beleza da garota, mas “that thing”, como disse a maquiadora em uma cena.  Pureza.
A maquiadora Ruby vira amiga de Jesse, mesmo a invejando, e tenta tirar sua “pureza” de um modo peculiar, tentando ser a primeira a transar com a garota, estando certa de que aceitaria por conta da influência de Ruby. Jesse a rejeita. Nessa cena percebemos que a garota não era capaz de abrir mão de sua bondade e pureza para o mundo corrompido da beleza narcisista e vazia das passarelas. Ela então viraria “comida”. Foi assassinada pela trindade de garotas. Como ela foi assassinada vou deixar para vocês verem no filme. (Tem no YouTube, deixei o link abaixo).

A reflexão que tiramos da trama é que o que chamamos de “padrão de beleza” é algo muito importante, que afeta o cotidiano do indivíduo, sua saúde física e mental, suas relações sociais, enfim, TUDO. E não vamos mudá-lo facilmente. Podemos hipocritamente dizer que “toda mulher é bonita”, mas ainda sim essa mulher “bonita” não terá as mesmas oportunidades de uma outra mulher bonita, se é que me entendem. Precisamos começar a falar sobre medidas emergenciais. Repito: Beleza não é futilidade. É tirar a pessoa de uma realidade terrível (volte de novo no parágrafo primeiro) e por em outra a qual possa sobreviver com dignidade.

Deve haver uma postura da Saúde Pública no sentido de proporcionar/democratizar esses padrões de beleza aqueles que estão tendo problemas por falta deles. “Feiura” e gordura é muito engraçado na TV e nos meios de comunicação hoje, assim como ser deficiente, negro e homossexual eram no passado (e ainda é para alguns imbecis).

Precisamos falar sobre o tema de maneira sincera, doa a quem doer! E o Judiciário, com seu papel de proteger a vida e a dignidade, deveria criar leis que preservassem a honra do indivíduo que agora, volto a dizer, está aprisionado no parágrafo primeiro deste artigo. Se o Judiciário está protagonizando – e eu acho isso muito positivo considerando a lentidão da máquina pública – que protagonize agora também.

Mas enquanto alguns sonham com o mundo perfeito, que demorará séculos para vir (se vir!) milhões vão continuar presos no parágrafo primeiro deste artigo.

DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995.
O Demônio de Neon. Direção e Roteiro: Nicolas Winding Refn. Duração: 1h58min. Gênero: Drama. Distribuição: Amazon Studios. 2016.


Filme “O Demônio de Neon”  disponível no YouTube:





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