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DOSSIÊ DIREITO E BIOÉTOCA: EUTANÁSIA


 

A Boa Morte

A eutanásia é um fenômeno social polêmico justamente por ser relevante, prova disso é que interfere em conceitos jurídicos importantes como o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Tais conceitos estão ligados a um direito e um princípio fundamental, tornando ainda mais delicada a discussão. Pensar a eutanásia e repensar tais conceitos de extrema importância para o Estado Democrático de Direito. Ademais, como fenômeno social, o direito é estudado pela sociologia jurídica (Weber), que se ocupa em sua essência, das interações entre os seres humanos e suas consequentes implicações sociais, merecendo questões como a eutanásia especial atenção do meio jurídico. É notável, nos últimos anos, a interlocução entre Psicologia e Direito. Fato comprovado ao ter-se em vista que entre os ramos da Psicologia, um dos que mais cresceram nos últimos anos foi o da Psicologia Jurídica.

Olhando por este âmbito, e sempre defendendo  a cautela com que o Estado deve interferir na vida íntima, é proposto no trabalho a intervenção psicológica e/ou psiquiátrica por trás do processo de eutanásia. Tal intervenção visa “alterar” o conceito de dignidade do indivíduo (devido principalmente a doenças oportunas e alterações químicas no organismo, sendo situações como doenças terminais “gatilhos” para tais eventos). Deste modo,  evita-se a eutanásia,  porém tendo em vista que este tratamento nem sempre funcionará em casos de dores contínuas e fortes, sendo mais razoável, neste caso específico, a eutanásia.

O capítulo seguinte “A chance da Boa Morte Sem Eutanásia”, faz um panorama de como o conceito individual de dignidade pode ser mudado dependendo de fatores ligados ao ambiente e a fatores químicos do organismo, ressaltando que a ajuda psicológica ou, em caso de distúrbios mais graves, psiquiátrica, que podem ajudar com que o individuo lide melhor com os conflitos que o cercam, e por vezes, encare seus dias com mais otimismo, quando o estado terminal não envolve dores muito intensas e constantes, pois neste caso, este trabalho defende a eutanásia.

Porém, já começaríamos o trabalho com uma contradição: sugerir que a decisão venha do indivíduo e ao mesmo tempo interferir nela de alguma forma, por meio de tratamento psicológico ou psiquiátrico. Entretanto, o termo não seria, exatamente, interferir. Este trabalho defende a decisão individual, defendendo a legalização da prática da eutanásia, em casos específicos, sempre respeitando a vontade do paciente, desde que este esteja assistido por psicólogos ou por psiquiatras, (se forem detectados transtornos mais graves)  durante todo o processo, pelos motivos expostos no parágrafo acima.

Ademais, não seria correto achar que os remédios receitados pelos psiquiatras alteram o “estado normal” do indivíduo; tiram-lhe sua espontaneidade, fazem-no “ficar feliz quando quer”. É sabido que durante confusões sentimentais intensas  os indivíduos não pensam com clareza habitual. Apesar de a maioria das vezes conseguirem se reconstruir, por vezes não conseguem, podendo ter surtos psicóticos ou desenvolver transtornos mentais, (neste caso, especialmente devido a ação de grande número de estresses, perdas, decepções, etc) dentre outras situações de sofrimento ou comprometimento de ordem psicológica, mental ou cognitiva e de significativo impacto na vida do paciente. Neste caso a intervenção medicinal é querida para que o indivíduo volte a ter uma existência menos deplorável.

 

Conceitos Básicos sobre a Eutanásia e a sua Colocação no Código Penal Brasileiro

Eutanásia vêm do grego e quer dizer, a grosso modo, “boa morte”. É a prática de pôr fim a própria vida, em razão, normalmente de doença grave e incurável, mas de maneira controlada e assistida por um médico especializado. É de fato a intervenção médica para tirar a vida do paciente, pois na eutanásia, é administrado medicamento para ocasionar a morte do paciente. A eutanásia é permitida em pouquíssimos lugares, como a Holanda.

Ao contrário do senso comum, não é uma prática nova:

O direito de dispor da própria vida era utilizado por inúmeros povos da antiguidade. Na Grécia antiga, filósofos como Platão já escreviam sobre a questão. Platão em a “República” retrata a eutanásia como uma prática justificável, defendendo a morte dos idosos e dos doentes, já Sócrates defendia a prática da eutanásia diante do sofrimento resultante de uma dolorosa doença, os celtas matavam seus próprios pais quando estes encontravam com idade muito avançada, a fim de evitar o seu sofrimento, no Japão durante a era Tokugawa, em plena vigência do Bushido, o código de honra dos samurais, o “seppucu”, ou como é conhecido no ocidente, o “harakiri”, era uma prática comum àquele guerreiro que se julgava desonrado, e o suicida era auxiliado por uma pessoa próxima, normalmente o seu melhor amigo, tal prática, foi também utilizada pelos soldados do Império do Japão na segunda guerra mundial, os militares de alta patente recomendavam a seus subordinados que praticassem o suicídio ante a uma possível derrota. – (ROCHA, 2012)[1]

É importante salientar a diferença entre o ato suicida e o ato eutanásico:

“Sem embargo, a eutanásia deve ser diferenciada do suicídio, pois este é a destruição da própria vida diretamente pelo sujeito interessado, através de uma ação ou de omissão voluntária, independentemente do seu estado de saúde (pode ser ou não doente terminal).”(ROCHA, 2012)[2]

A eutanásia, segundo o Código Penal brasileiro é crime de homicídio ou o crime de auxílio, induzimento ou instigação ao suicídio. Basicamente, se a eutanásia for realizada sem o consentimento do paciente, configura crime segundo o artigo 121 do Código Penal; “Matar alguém”. No que tange a pena, esta estaria exposta no § 2º, III (12 a 30 anos).

E mesmo que a vítima tenha pedido auxílio para a própria morte, ainda sim configura crime segundo o artigo 122 do Código Penal; “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”; onde ocorre o induzimento, a instigação ou o auxilio ao suicídio.

Porém, há um caso atípico no Código Penal, no que se refere a ortotanásia, prática onde se  se deixa de fazer algo para prolongar a vida, ou seja, o paciente que já se encontra em processo natural da morte, é auxiliado para que este estado siga seu curso natural. Na ortotanásia, o médico, por exemplo, deixa de administrar medicamentos que servem para prolongar a vida do paciente em estado terminal. A ortotanásia é caso atípico na área Penal pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado.

Cabe em especial a análise quanto à aplicabilidade do parágrafo 1º do artigo 121, sobre a diminuição da pena nos casos descritos no parágrafo;

Art. 121. 

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (Código Penal, 2015, p. 9)[3]

Nesse caso, dá-se nome de homicídio privilegiado e a pena é reduzida.

A exemplo de um pai que tira a vida do filho o qual se encontra em um hospital público sem recursos com severa patologia terminal sem tratamento digno.

Por fim, vale salientar o artigo 5, inc. 3 da Constituição Federal, que diz que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Em nota, diz que a Resolução n. 1805, de 9-11-2006, do Conselho Federal de Medicina, estabelece que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários  para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente  ou de seu representante legal. Ou seja, a ortotanásia.




[1] ROCHA, Roger Alves da. Eutanásia - o direito à boa morte. In: Âmbito Jurídico, Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12102&revista_caderno=3>. Acesso/Acessado em 02/02/2015.

 

[2] ROCHA, Roger Alves da. Eutanásia - o direito à boa morte. In: Âmbito Jurídico, Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12102&revista_caderno=3>. Acesso/Acessado em 02/02/2015.

 

[3] BRASIL. Código Penal. Ed. 19. São Paulo, Rideel, 2014

 

Por: Magnolia Calegário

A Colunista

 


Magnolia Calegário é Cantora, compositora, escritora, radialista, jornalista, e advogada. Autora do Livro: A Família e o Direito Brasileiro Oitocentista - Reflexos na Contemporaneidade?

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