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Ministério da Saúde entrega kit incompleto e Brasil só atinge 20% da capacidade de testes


Após quatro meses de pandemia no País e sucessivas promessas do Ministério da Saúde de realizar testagem em massa para conter o coronavírus, o Brasil só atingiu 20% da capacidade de exames prevista para o período de pico.

Além de distribuir menos testes do que o projetado, o governo federal também tem feito entregas de kits incompletos, sem um dos reagentes essenciais para processar as amostras, segundo afirmam Secretarias de Saúde ao Estadão. O ministério diz já ter iniciado a compra de 15 milhões de unidades do reagente em falta e culpa a escassez global de insumos.

Em maio, o então secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Wanderson de Oliveira, declarou que a meta era realizar 70 mil exames de PCR por dia nos laboratórios públicos do País no período "mais crítico da doença" que, segundo ele, deveria ocorrer em junho.

Embora a projeção de mais casos tenha se confirmado, a rede de laboratórios centrais (Lacens) fechou o mês passado com média de 14,5 mil testes diários - ou 20,8% do previsto.
Considerado padrão-ouro para diagnóstico, o teste PCR é capaz de detectar precocemente o vírus e tem alta precisão. Especialistas defendem que sua utilização é fundamental para identificar e isolar os infectados e seus contatos, diminuindo o risco de propagação da doença.

"O teste sorológico, como o teste rápido, só identifica se há presença de anticorpos, se aquela pessoa teve contato com o vírus no passado", diz Priscila Franklin Martins, diretora executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed). "Já o PCR é indicado para a fase aguda da doença, porque consegue identificar quando a pessoa é contaminante."

Pelo menos três vezes, o ministério anunciou que ampliaria esse tipo de testagem. Na última delas, no início de maio, a previsão era realizar 24,2 milhões de testes PCR neste ano. Até agora, contudo, a pasta diz ter distribuído 4,4 milhões de reações do tipo aos Estados, mas somente 1,2 milhão de exames foi efetivamente feito no País, o equivalente a 4,9% da previsão do ministério.
O principal entrave para ampliar a testagem é a falta de um insumo usado na primeira etapa do processamento da amostra, na qual é feita a extração do RNA do vírus. Segundo os Estados, o ministério tem enviado somente os reagentes de fases seguintes do teste, como o de amplificação de DNA, para posterior detecção do coronavírus.

Diretor-geral do Lacen da Paraíba, Bergson Vasconcelos relata que tem 84 mil reações de amplificação, enviadas pelo governo federal, mas 3 mil de extração. "Quanto ao insumo de amplificação, que é o que aparece nas plataformas oficiais do ministério como reações distribuídas, estamos tranquilos. Mas o kit de amplificação sem o kit de extração não serve de nada."
Segundo afirma, o laboratório poderia processar mil amostras por dia, mas faz de 450 a 600. "Os Lacens foram estruturados e treinados nos últimos meses e temos condições de dar essa resposta à pandemia, mas precisamos dos insumos."

A diretora do Lacen de Rondônia, Cicileia Correia da Silva, conta que o ministério não envia insumos de extração desde abril. "Iniciamos tentativas de compra no Estado, mas é difícil encontrar fornecedor para pronta entrega", relata. "Efetivamos uma compra há 15 dias com a promessa de 25 mil insumos de extração, mas até agora só recebemos 1 mil."

Goiás enfrenta problema semelhante. "Temos 67 mil reagentes de amplificação e só 4,8 mil de extração. Mas temos recebido cerca de 500 novos exames para análise todos os dias. Se não houver reposição, podemos ficar desabastecidos", destaca Flúvia Amorim, superintendente de Vigilância em Saúde da secretaria estadual.

No Paraná, o governo local diz que só recebeu 78,5 mil das 716,4 mil reações que o ministério informa ter distribuído ao Estado - e todas seriam de amplificação. "Não recebemos reagentes para fazer a extração de RNA. Não havia disponível para compra, este é o maior problema dos laboratórios do Brasil."

Já o Tocantins informa que chegou a pegar emprestado 2,5 mil kits de extração de Goiás e Maranhão. "Importante ressaltar que mesmo após o ministério suspender abruptamente o fornecimento de kits de extração, (...) o Lacen não suspendeu a realização dos testes", diz o boletim estadual. Maranhão e São Paulo tiveram de fazer aquisições próprias do item.

Atraso

A ampliação da capacidade de testagem foi promessa dos três ministros que passaram pela pasta desde o início da pandemia. Luiz Henrique Mandetta anunciou em março que o Brasil faria 23 milhões de exames, entre PCR e sorológico. O sucessor, Nelson Teich, dobrou a meta e anunciou em abril que o País chegaria a 46 milhões de testados (24,2 milhões por PCR). Em maio, a promessa foi mantida pelo general Eduardo Pazuello, interino que ocupa o cargo há 59 dias e foi escolhido por seu histórico de sucesso em operações logísticas.

Ao Estadão, o ministério diz ter conseguido comprar todos os testes PCR prometidos. A reportagem procurou a Fiocruz, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e Petrobrás, que forneceram ao menos 15 milhões desses exames. Todos informaram que as remessas incluem só o kit de amplificação.

O atraso no envio de reagentes de extração de RNA prejudicou até a parceria firmada em abril entre o Grupo Dasa e o governo federal para análise de 3 milhões de amostras em seis meses. Passados 80 dias, só 27,5 mil testes haviam sido processados até o dia 9 - ou 0,9%. O centro começou a funcionar em junho. A companhia oferece estrutura física e os profissionais. O ministério, equipamentos e insumos. "A gente tem uma limitação de insumos e o de extração é um dos grandes gargalos", afirma o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana.

'Carência de insumos'

Questionado se os testes PCR enviados aos Estados possuem todos os reagentes necessários para a análise, o Ministério da Saúde afirmou que faz a compra dos itens de coleta, extração genética e amplificação separadamente, "e não na forma de solução completa", mas admitiu haver "carência de insumos" a nível mundial. O órgão diz estar "empenhando esforços" desde janeiro para aquisição.
A pasta também informou ter iniciado um processo de compra de 15 milhões de insumos de extração genética em abril. O processo, no entanto, ainda não foi finalizado "por questões diversas", segundo o ministério.

Embora não tenha alcançado a meta de 70 mil exames diários, o ministério afirmou, em seu boletim epidemiológico, que o volume diário de exames realizados em junho (14.567) foi ampliado em relação ao executado em março, quando 1.689 testes foram feitos por dia.

O ministério apontou a corrida global por produtos como entrave para a ampliação da testagem no Brasil, situação vivida por outros países, diz a pasta. Segundo afirma, o método RT-PCR envolve várias fases e insumos, e todos eles "sofreram escassez no mercado mundial e crescimento abusivo de preços, quando disponíveis". Para a pasta, isso "prejudicou o andamento dos processos de aquisição" e "limitou uma ampliação do diagnóstico".

O órgão apontou, ainda, já ter adquirido 24,5 milhões de testes RT-PCR, mas ressalta que parte ainda não foi entregue por questões logísticas, como falta de espaço nos Estados. A pasta também destacou que a compra de testes pelo governo federal "não exclui a possibilidade de aquisição pelos Estados".
Sobre a parceria com a Dasa, o ministério afirmou que a capacidade de processamento é de 10 mil testes por dia e as ações "estão sendo ampliadas, com capacidade de receber amostras de outros Estados".

Estados

O teste PCR é realizado em menor escala por ao menos dois a cada três Estados do Brasil. Levantamento do Estadão mostra que em pelo menos 19 unidades federativas esses exames representam menos de 50% do total de análises. Para o balanço, foram solicitados dados às 27 secretarias de Saúde. Também foram consultados boletins epidemiológicos, plataformas de monitoramento e informações locais, com dados até o dia 9.

São Paulo realizou 392,7 mil exames PCR, segundo balanço parcial. O índice representa 43% dos 911,5 mil testes concluídos. No Rio, a diferença é maior, com 58 mil análises PCR e 586,9 mil testes rápidos. No Distrito Federal, que chegou a ter testagem "drive thru", o resultado é parecido. Foram 403,7 mil exames, dos quais 44,9 mil PCR (11%). Esses testes são minoria, ainda, em Minas, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul. Já nas Regiões Norte e Nordeste, o cenário se confirma até em Estados que chegaram ao limite do sistema de saúde, como Amazonas, Pará, Pernambuco, Ceará, Maranhão e Rio Grande do Norte. Acre, Rondônia, Paraíba, Alagoas e Piauí também fazem menos testes moleculares (PCR).

Os únicos Estados que fazem mais PCR são Santa Catarina (67%), Espírito Santo (61,4%) e Sergipe (59,8%). Por sua vez, a Bahia relata ter realizado 117,4 mil testes PCR, uma das maiores quantidades em números absolutos no Brasil, mas não informa sobre os testes rápidos aplicados. Com as informações disponíveis, não foi possível fazer o comparativo de Tocantins, Roraima, Amapá e Mato Grosso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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