Fiscalização constata irregularidades graves no Hospital Juliano Moreira
O Relatório de Inspeção Nacional de Hospitais Psiquiátricos do Brasil,
divulgado nesta semana, expôs a realidade precária de 40 unidades
instaladas em 17 estados do país. A inspeção foi realizada em dezembro
de 2018 e, de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), nenhuma
unidade preencheu exigências de tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário, tampouco de leis brasileiras. Na Paraíba, foram
inspecionados o Hospital Psiquiátrico Colônia Juliano Moreira e o
Instituto de Psiquiatria, ambos com sede em João Pessoa. Este último foi
fechado em abril deste ano.
Na época da vistoria, vários problemas comuns às duas unidades
fiscalizadas na Paraíba foram identificados. Entre eles estavam a
existência de espaços de isolamento, fato apontado como de extrema
gravidade; e a ausência de atividades terapêuticas e de lazer,
provocando um cotidiano repetitivo e monótono aos internos. Também foi
verificado que as unidades desrespeitavam os direitos à privacidade, à
saúde, à intimidade de seus pacientes. A inspeção constatou falta de
portas em sanitários ou áreas de banho, além da ausência de toalhas e
espaço privativo com livre acesso para guarda de pertences. Objetos
pessoais ficavam, de acordo com o relatório, sob posse de funcionários
das unidades, desencadeando violações.
Também foi verificado que havia dificuldade de comunicação entre
internos e seus familiares. Segundo a inspeção, existia supervisão e/ou
monitoramento de telefonemas por profissionais da equipe técnica. As
regras institucionais acabavam provocando o afastamento familiar do
processo de cuidado dos pacientes. Também foi constatada situação de
longa permanência de internos nas duas unidades e falta de Projeto
Técnico Institucional (PTI), o que contrariava o preconizado nas Normas
para Assistência Hospitalar em Psiquiatria, estabelecidas pelo
Ministério da Saúde.
Juliano Moreira
O Hospital Psiquiátrico Colônia Juliano Moreira era o mais
problemático na Paraíba, de acordo com o relatório. A unidade foi
listada entre os hospitais que violavam modalidades de internações e não
possuíam protocolo de contenção química ou mecânica. No entanto,
pacientes relataram que o procedimento era realizado. Excesso na
administração de medicamentos, maus-tratos e isolamento foram
denunciados. “Quando fica em surto, é comum ficar trancado”, disse um
dos internos.
O isolamento, conforme o relatório, na maioria das vezes era
acompanhado de falta de água para beber e do intenso calor no quarto.
Outro paciente, um adolescente, afirmou que funcionários o amarraram à
força com um pano, após ele se envolver em uma briga. Em situações desse
tipo, de acordo com as entrevistas, era comum que apoiadores aplicassem
injeções para que os pacientes dormissem, sem que eles soubessem de
qual medicação se tratava. O relato era de que o paciente já acordava no
quarto de isolamento.
Também foi reportada a imposição de castigos à experiência da
sexualidade. A atividade sexual no hospital seria, em tese, proibida,
mas quando ocorria havia contenção mecânica e prescrição de
medicamentos.
“No decorrer da fiscalização foi destacado vários momentos que as
práticas sexuais não são permitidas. Não há distribuição de
preservativos, nem atividades que visam orientar sobre doenças
sexualmente transmissíveis. Em relação ao atendimento no que diz
respeito à diversidade sexual e à diferença de gênero, não foi visto
nenhum tipo de preocupação e nem projetos específicos para tais
questões, demonstrando uma invisibilidade e uma falta de entendimento
perante tais situações”, diz um trecho do relatório.
Além disso, os inspetores encontraram uma única adolescente internada
junto com 10 rapazes. Ela expressou insegurança, constrangimento e
falta de privacidade devido à situação. “Ela relata que acorda várias
vezes a noite, apesar de seu quarto ficar fechado, para que os garotos
não entrem. Na hora do banho, sempre tem que falar com um profissional
para que ele fique na porta vigiando e impedindo que algum menino entre
no banheiro. Afirmou que, se quiser descansar, é preciso informar a um
profissional para que arrumem um canto. Informou que seus objetos
pessoais estão numa bolsa dentro do quarto no qual um adolescente do
sexo masculino tem dormido e que quando precisa de algo, informa a um
profissional para que ele pegue”, diz o relatório.
“Há casos de cuidadores e técnicos de enfermagem que cometem
maus-tratos. As pessoas internadas falam sobre isso aos seus familiares e
em alguns casos às assistentes sociais, que, por sua vez, relatam
(verbalmente, sem nenhum registro escrito) para a direção do Hospital.
Ou seja, não há procedimento formal para o registro dos abusos e
maus-tratos contra os pacientes”, diz o relatório, que recomendou
averiguação detalhada dos aspectos de imparcialidade e resolutividades
dos canais de Ouvidoria do Juliano Moreira.
Outra irregularidade encontrada foi a não garantia de acesso dos
usuários aos seus prontuários e a falta de condições de permanência em
tempo integral de um dos pais ou responsável durante a internação de
adolescentes. Foi verificado que o hospital mantinha cantina em
funcionamento, conduta considerada ilegal, pois negligencia o direito
humano a uma alimentação adequada em favor de sua exploração econômica
privada.
O relatório apontou ainda que os pacientes viviam sem acesso adequado
a insumos de asseio íntimo, como papel higiênico. O provimento de
materiais desta natureza acabavam recaindo sobre familiares. Quando não
havia doação, internos precisavam recorrer ao banho. Na ala de
dependentes químicos, foi constatada a responsabilização dos usuários
pela lavagem das próprias roupas e pela limpeza do quarto em que estão
alojados, também com materiais levados por parentes.
“É bastante comum que as pessoas privadas de liberdade exerçam
atividades de limpeza e/ou cuidado de outros usuários. Especialmente
grave é o uso da força de trabalho das pessoas internadas em atividades
relacionadas ao cuidado de outras pessoas internadas, desde o apoio ao
banho, troca de roupa e alimentação de usuários com maior dependência
até a administração de medicamentos e realização de contenção mecânica
daqueles em situações de crise ou agitação”, destaca outro trecho do
relatório.
Ainda segundo a fiscalização, o Hospital Psiquiátrico Colônia Juliano
Moreira não garantia a individualização e singularidade das pessoas
internadas, por meio da personalização das vestimentas, e não apresentou
informações sobre alvará ou licença sanitária.
Os problemas no Juliano Moreira se estendiam também à segurança e à
saúde do trabalhador. “Segundo a fala de umas das profissionais
entrevistadas, as condições de trabalho são péssimas, juntamente com
baixos salários. A instituição não oferece capacitação e todas que já
realizaram foram custeadas com recursos dos próprios servidores. Não foi
relatado o acontecimento de reuniões planejadas de trabalho, pois estes
encontros só ocorrem quando acontece alguma coisa fora da rotina
programada institucional. Sobre os horários e rotinas de trabalho,
também foi relatado que nem sempre os funcionários a cumprem,
sobrecarregando em alguns momentos, uma parte da equipe”, apontou a
vistoria.
Instituto de Psiquiatria
No Instituto de Psiquiatria da Paraíba, não havia alvará ou licença
sanitária e foi constatada a violação do direito básico à alimentação.
Também verificou-se violação quanto ao livre acesso à água potável. Os
relatos apontaram para a necessidade de solicitação à equipe de
enfermagem e ausência ou insuficiência de filtros e bebedouros. Foi
verificada ainda a falta de manutenção e de testes sobre a qualidade da
água fornecida aos pacientes. Outro serviço negligenciado, segundo a
fiscalização, era o de vestuário. “Muitas das pessoas, no momento da
inspeção, estavam sem camisa, descalços, ou mesmo nus, o que denota a
completa desassistência a que estão submetidas”.
No Instituto de Psiquiatria foi constatado o emprego de violência na
contenção química, prática que, de acordo com a inspeção, era rotineira.
“Os remédios muitas vezes já estão prescritos pelos médicos para serem
utilizados pela enfermagem em determinadas situações. A unidade não
possui um protocolo específico ao que se refere a contenção química,
tendo somente os registros realizados em prontuário”, diz o relatório.
Outro problema encontrado foi a falta de acessibilidade nas
dependências do hospital. O Estatuto da Pessoa com Deficiência institui
que edificações públicas e privadas de uso coletivo devem garantir, em
condições de igualdo, o exercício de direitos e liberdades fundamentais,
tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes.
O Instituto de Psiquiatria da Paraíba, hospital particular, também
atendia pelo Sistema Único de Saúde. O descredenciamento da rede pública
aconteceu em março deste ano,
por recomendação do Ministério Público Federal (MPF). Em abril, foram
retirados os últimos internos e a unidade fechou as portas. Não existe
previsão de reabertura do hospital.
O que diz o Estado
A Secretaria de Saúde da Paraíba (SES) disse nesta quarta-feira (4)
que o relatório está alinhado ao plano de trabalho desenvolvido pela SES
para a qualificação do serviço prestado no Complexo Psiquiátrico
Juliano Moreira. “Tal plano, desenvolvido pela área técnica de Saúde
Mental do Estado, Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, Ministério
Público e entidades de classe, busca interceder para a melhoria na
qualidade de vida destes usuários e já está em prática há cerca de 10
semanas”, disse a Saúde.
A Secretaria de Estado da Saúde informou ainda que adota uma política
antimanicomial, que busca a dignidade humana e os cuidados integrais.
“Ao longo dos anos, a Paraíba vem reduzindo o número de leitos em
hospitais psiquiátricos e buscando a melhoria no tratamento dos
pacientes em uma rede estadual de serviços de saúde mental e inclusão de
leitos de psiquiatria em hospitais gerais, além de trabalhar para a
implementação de novos serviços e formas de cuidados diários para além
das das terapias exclusivamente medicamentosas”.
Com informações do Portal Correio, para o Gazeta da Paraíba
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