Coluna da Magnolia Calegário: O preço de se ter uma rede social
“O
que você está pensando?”. Essa é uma pergunta feita aos usuários da principal
rede social do mundo. Se tal pergunta fosse feita fora do âmbito virtual, só
poderia ser feita ao mais íntimo dos amigos, ou nem a eles. Somos capazes de
olhar por horas nos olhos de uma pessoa, mas nunca saberemos o que ela está
pensando. Nossos pensamentos são nossos segredos mais profundos. É normal que
uma rede social queira saber o que estamos pensando?
Genericamente,
as redes sociais tem o “papel” de promover a interação entre os membros,
através de seus gostos, perfis, e interesses em comum. Tornar mais prático e rápido o que
aconteceria na vida real, onde duas pessoas se encontram casualmente, conversam
e tecem relações. Bastante filantrópica seria a criação da rede social, se
apenas essa fosse a razão de sua existência.
O
primeiro aspecto que desmistifica a face generosa das redes sociais é que todas
elas fazem um esforço hercúleo para angariar um bom número de usuários afim de,
com base nesse número de pessoas cujos interesses se relacionam, gerar uma
exploração econômica, uma vez que os lucros advindos das redes sociais não
advém diretamente de seus usuários, visto que sua participação nas redes não é
lucrativa.
Neste
ponto, torna-se importante distinguir, no que tange o comércio envolto às redes
sociais, o conceito de “usuário” e “cliente”.
Cliente é todo aquele que contrata a rede social mediante pagamento em
troca de um serviço prestado. Dessa forma, apresentam interesse na base de
dados e na rede de usuários, se diferenciando dos usuários. Podem ser, por
exemplo, anunciantes que buscam ser notados em uma comunidade voltada para seu
nicho de mercado.
Nome,
idade não satisfazem a sede de informações que as redes sociais possuem em
relação ao usuário. Perguntas muito subjetivas, tais como comida favorita,
esporte favorito, programa de TV favorito e tantas outras. Se não conseguem
tais informações de forma objetiva, criam pequenas “Listas” no Perfil do
usuário. Na Lista “Gostos”, automaticamente
são listadas todas as fanpages (páginas favoritas) curtidas pelo usuário. Os
parâmetros de funcionamento das redes sociais presume que os usuários se
identifiquem diante dos outros através de informações pessoais tais como gostos,
opiniões, fotos... Enfim, todas as características de uma vida ficam
disponíveis e organizadas em uma rede social, ou melhor, um intermediário.
O
usuário, mesmo não sendo cliente, é um consumidor, e portanto possui direitos,
mesmo usufruindo da rede gratuitamente. Isso porque a rede social fornece seu
serviço gratuitamente, entretanto visando seu próprio lucro advindo do próprio usuário. Os dados pessoais do usuário são a principal fonte de lucro das redes
sociais. Isso porque a expectativa de como serão usados os dados inseridos pelo
usuário depende exclusivamente do intermediário; do gestor da rede social. O
gestor pode determinar, por exemplo, a distribuição desses dados para
interessados, a exibição desses dados em perfis públicos ou semi restritos, a
utilização de tais dados para a classificação do usuário em perfis de
comportamento e várias outras categorias.
Para
caracterizar essa situação, muitas vezes ao preenchermos um formulário online
de uma empresa, apenas pondo um dado, como Cadastro de Pessoa Física, todas as
demais informações, como endereço, telefones, data de nascimento, e-mail, nome
dos pais são automaticamente preenchidas. Isso significa que aquela empresa
possui todos aqueles nossos dados do formulário, e pode possuir ainda mais! Essa
vasta coleta de informações a qual se permitiu através das redes sociais,
muitas empresas, utilizam dados sobre o tipo de perfil comportamental,
ideologia política, doenças, religião e tipo físico para usar critérios
discriminatórios na pré seleção de seus empregados. Tais atitudes ferem abusivamente
o direito a intimidade, a dignidade, a personalidade, a honra e imagem, entre
outros. Dessa forma, para cumprir o Direito Brasileiro, a cada informação
cedida pelo usuário deveria anteceder um aviso detalhado de todas as possibilidades de uso daqueles
dados pelo intermediário, nesse caso o gestor da rede social, o que ainda não é
feito de forma completa.
Se
saber o que pensamos, fazemos, gostamos, nosso perfil psicológico, nossa
religião, nossas escolhas políticas é pouco, as redes sociais sabem exatamente
onde estamos! Com a agregação dos serviços de geolocalização (sendo o mais
comum o GPS), é feito o compartilhamento de nossas coordenadas geográficas,
especialmente através dos pequenos aparelhos que levamos conosco, como o
smarthphone. Saber para onde vamos, onde ficamos mais tempo é uma ferramenta
para saber nossos interesses habituais, gerando dados posteriormente agregados
a serviços de publicidade comportamental. Entretanto, há um custo a nossa
segurança, uma vez que, de qualquer modo, os dados sobre nossa localização
estão dispostos em um sistema totalmente fora de nossa zona de controle.
Essa
exposição de dados cadastrais e pessoais a quem puder pagar é só um dos
problemas. Essa vasta exposição da vida gerou um campo fértil para crimes de
diversas naturezas. O direito ao esquecimento passa a ser um instituto
inválido, uma vez que quem decide o fluxo daquela informação são os próprios
usuários da rede, e quando o assunto parece esquecido, por vezes usuários “repostam”
o conteúdo na internet, afim de angariar seguidores, conseguir fama, ou até por
puro sadismo. Acima de tudo, é uma afronta à liberdade e ao direito ao
esquecimento que o usuário não possa apagar definitivamente
todos os seus dados publicados na rede, pelo caráter personalíssimo de tais
dados. Pelo contrário, os dados são vendidos, compartilhados, organizados de
modo a afrontar ainda mais a liberdade dos indivíduos.
Nessa
mesma linha, crimes como bullying podem ter um alcance imensurável, assim como
suas consequências, como no caso de Amanda Todd, e tantas outras crianças que
se suicidam devido a enorme proporção dada ao bullying pelas redes sociais. A
rede social se tornou um campo fértil para criminosos: perfis falsos servem
desde para a aplicação de golpes financeiros até para induzir a vítima a
comparecer ao local do crime para homicídios, estupros, pedofilia, e toda sorte
de crueldades.
O
crime de difamação também ganhou um grande espaço nas redes sociais, uma vez
que há a possibilidade de criar perfis falsos com dados de terceiros. Nesse
caso, além da divulgação de dados cadastrais e pessoais compartilhados sem
autorização, o terceiro pode inserir no perfil falso informações mentirosas que
difamem o nome e a pessoa da vítima (declarações falsas, posts falsos, fotos
modificadas, etc).
Um
outro modo de praticar a difamação ganhou espaço com o advento das redes
sociais: a publicação da foto de um indivíduo relacionando-o a algum crime. No
Brasil, já houveram casos de linchamento, espancamentos e perseguição
decorrente desses posts milhares de vezes compartilhados, os quais os usuários
não checavam a veracidade da fonte da informação ou dos fatos. É ressaltar que
a informação do terceiro (vítima) foi feita através da estrutura da rede
social, elaborada exatamente com a finalidade de promover intercâmbio de
informações e obter lucro a partir disso, portanto, abrindo possibilidade para
que a rede social responda pelo eventual dano causado a terceiro.
O
entretenimento das redes sociais conquistou o mundo; encontrar amigos, postar
fotos e pensamentos, de modo a estar a todo momento interagindo com pessoas
queridas através de uma simples tela. A tecnologia aliada ao aspecto “humano”
proporcionada pelas redes parece ser infalível. Mas não é gratuito.
Por: Magnolia Calegário - Para interagir com a colunista, basta enviar uma mensagem para o blog – usando o menu Contato – ou mandar um e-mail para: magnoliacontato@gmail.com
#ColunaSocial#JornalismoColaborativo
REFERÊNCIAS
A
REDE Social. Direção: David Fincher. Produção: Scott Rudin. Estados Unidos.
Relativity Media, 2010, 121 min.
DONEDA,
Danilo. Reflexões Sobre Proteção de Dados
Pessoais em Redes Pessoais. Revista Internacional de Protección de Datos
Personales. N° 1 de Julho. Universidad
de lós Andes, Colômbia, 2012.
Nenhum comentário