CRÔNICAS DE HOSPÍCIO: O DIREITO À DIGNIDADE HUMANA
Caros
Leitores,
Essa
série de Crônicas são fruto de uma pesquisa de campo feita em um Hospital
Psiquiátrico no ano de 2008, na qual foram feitas três visitas ao mesmo, sendo
as observações conteúdo dessa série.
A
intenção desse trabalho, além de descritiva, é apontar a diferença de
tratamento dispensado aos doentes do SUS e da Rede Particular no espaço
visitado, as diversas irregularidades cometidas que foram catalogadas durante o
campo, que ferem os direitos humanos e os direitos fundamentais.
CRÔNICA 1: GRANDES PORTÕES
A
pesquisa de campo data de 2008 e foi feita em um Hospital Psiquiátrico de uma
pequena cidade do interior do Espírito Santo. Nesta pequena cidade, de
aproximadamente 160.000 habitantes.
Importante
informar que o Estado do Espírito Santo fechou o último manicômio em meados de
2016. Os poucos pacientes que lá habitavam, cerca de 20, foram realocados para
uma “clínica terapêutica”.
O
Hospital era separado em dois compartimentos: a Ala Particular e a Ala Pública.
A Ala Particular é destinada aos pacientes que possuem plano de saúde, e a Ala
Pública atente os pacientes pelo SUS.
A
diferença entre essas duas Alas é gritante, começando pelo número de pacientes.
Em 2015, segundo dados da imprensa, haviam 360 pacientes abrigados pelo SUS. E
realmente, lembrando daquela Ala, a qual me atrevi a adentrar apenas alguns
passos, era realmente o número que eu imaginei.
Na
Ala particular, que era mais “tranquila” – ao decorrer das crônicas vocês vão
entender o porque – haviam no máximo 20 pacientes, e alguns quartos vazios, a
espera de um novo interno.
O
Hospício, ou Casa de Repouso, como preferem os eufêmicos, ficava em um bairro
de difícil acesso, o que é compreensível, quando o objetivo é o tratamento da
saúde mental. A entrada era um enorme portão de ferro, muito enferrujado, e que
por conta disso, precisava de dois homens para abri-lo e fechá-lo várias vezes
ao dia, pois o portão deveria estar sempre fechado por segurança.
Eu
não entendi o porque, pois depois do
portão, sempre haviam dois ou três enfermeiros “de escolta” , e sempre que alguém
entrava eles literalmente circundavam a pessoa e faziam um monte de perguntas
do tipo: “Quem é você?” . “O que veio fazer aqui?”. “É parente de quem?”. Coisas que só o interior nos proporciona.
Depois
de entrar e sair umas três vezes, para visitar um parente internado para
desintoxicação por cocaína, eu entendi porque eles tinham tanto medo de todo
mundo que entrava naquele lugar. Uma denúncia, aquilo ia abaixo. Celular,
caneta, papel, tudo guardado na “recepção” antes de entrar.
No
pátio de entrada havia o consultório do psiquiatra, que também era dono da
única casa de Casa de Repouso da cidade.
Os internos podiam ser atendidos por outros psiquiatras com os quais já
faziam seus tratamentos. Então acho que a escolha de colocar o consultório
naquele local de difícil acesso foi uma questão de logística pessoal; ele cuida
de seu Hospital e atende seus pacientes
ao mesmo tempo.
Depois
de passar pela abordagem dos enfermeiros do pátio de entrada, havia a primeira
cena da divisão de dois mundos.
Na
lateral do pátio dava-se de cara com um enorme e totalmente enferrujado portão
de ferro, através dele se via a Ala Pública. A Ala Pública era um grande campo.
Chão de areia, nem piso tinha. Todos os doentes - esquizofrênicos, bipolares,
depressivos, sociopatas - ficavam nesse mesmo grande campo de areia chamado de
“área de convivência” .
Próxima Semana - “Crônica 2: As Alas”
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