Coluna da Magnolia: DIREITO E LITERATURA - O TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA: ONTEM E HOJE – PARTE II
Policarpo
Quaresma E A Burocracia No Direito: No Oitocentismo E Hoje
A
crítica a burocracia no Direito Brasileiro é tecida em quase todo livro de Lima
Barreto, assim como em seu final. Mais uma vez, a crítica de Lima Barreto em
sua obra O Triste Fim de Policarpo Quaresma, no que tange a estrutura
burocrática -  não só do Direito, mas do
serviço público como um todo, - permanece deveras atual. Permanece atual pois
tal estrutura burocrática mais impede a solução das demandas sociais do que
efetivamente as sana, tornando-se nociva à Democracia, e servindo como um mero
instrumento/joguete nas mãos de quem tem acesso a tal burocracia, que serve de
sustentação para uma estrutura sociopolítica repleta de corrupção, nepotismo,
manutenção da desigualdade e autoritarismo. 
Policarpo
Quaresma: Cidadania Longe do Cidadão, tanto Ontem, como Hoje.
Diante
desse panorama, reflito: Quantas vezes, nós, operadores do Direito (estou me
formando em Direito), fomos Policarpo Quaresma durante o curso de Direito? Com
a Constituição Federal nas mãos nos primeiros períodos de curso, quando ainda
não tínhamos nenhum contato com a prática jurídica? Apontávamos as injustiças,
censurávamos a corrupção. Até entrar em um estágio e ter contato com a
realidade. A partir daí começa um processo indigesto de que nossa Constituição
não é o que está escrito, mas o que vem sendo feito. Que o Patriarcado tivera
raízes muito profundas, que pouco foram arrancadas com o tempo, e que se
adaptaram as novas situações; invasão do privado no público, corrupção,
nepotismo, a mesma desigualdade social agora com o Direito como escudo. 
Sim,
o Direito virou-se contra quem deveria defender. Nem mesmo em seu ápice
“democrático”, com a CF 88, o Direito passou a proteger de forma satisfatória
quem ele se propôs a proteger. Filho bem educado de pais ricos, ele obedece
quase sempre aos pais.  E ai dos filhos
rebeldes que queiram ser Policarpos no Direito! Terão o mesmo triste fim: a morte
de seus ideais! Primeiro porque Policarpos são avis rara: poucos estão dispostos a dedicarem suas vidas a
encontrar um método de curar um sistema burocrático no pior sentido do termo,
que desaproxima o cidadão de seus direitos[1].
Segundo porque assim como aconteceu na obra de Lima Barreto, o sistema
burocrático acaba com suas pretensões de lutar por mudanças profundas no
sistema: são muitos contra um, e muitos dispostos a jogarem sujo, de diversas
maneiras, contra apenas um. No livro, Policarpo sobre uma sequencia de
retaliações por sua luta: foi mandado para uma fazenda em Caruru. Depois sofreu
repressões pelas autoridades da cidade, após os líderes perceberem que as
intenções sociopolíticas de Quaresma iam contra os ideais das autoridades e
políticos locais. Como vemos, um livro bastante atual: quem luta contra o
sistema burocrático excludente, nepotista e corrupto do Direito tem muito a
perder, e a maioria das vezes o indivíduo prefere não perder: reproduzindo
comportamentos nocivos ao sistema democrático. Assim, a Constituição Federal de
1988, assim como a Democracia como um todo ficam amordaçadas no tempo, cada vez
mais utópicas e distantes da realidade. 
Salienta-se, portanto, pela enésima vez, o quanto é importante refletir
sobre o passado do Brasil, porque ele é o
presente. Presente nocivo, desigual, não democrático, - e longe do justo -
pois bem sabemos nós que o justo é muito subjetivo de definir. Porém, nesse
caso, no mínimo, bem longe do senso do que é justo. O Direito hoje, é um
instrumento vulgarizado, prostituído, na mão da elite sabedora de seus meandros
e que tem dinheiro para levar um processo judicial até o fim. Até o fim não só
economicamente, mas psicologicamente e porque não dizer, influenciadoramente,
uma vez que o Direito, (como bem frisou Lima Barreto em seu livro através da
trama de Policarpo), está impregnado pela invasão do privado na esfera do
público, com os funcionários defendendo interesses individuais, refletindo esse
panorama em práticas como o nepotismo e a corrupção. Portanto, o Direito no
Brasil nada tem a ver com Justiça, pois para isso, o Direito no Brasil
contemporâneo teria que haver com o social, e o Direito no Brasil tem haver com
o individual. E cada vez mais.
No
que tange o Direito da elite e para a elite, podemos exemplificar com a parte
do livre em que, na masmorra, Policarpo Quaresma reflete sobre sua vida
dedicada à pátria, e acaba concluindo que 
“a física, a moral, a intelectual, a política” que acreditava existir na
verdade não existiam, e existiam na verdade interesses privados vinculados a
tais fatores: 
A pátria que quisera
ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete.
Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava
existir, havia. A que existia de fato era a do Tenente Antonino, a do Doutor
Campos, a do homem do Itamarati (...). Pareceu-lhe que essa idéia como que fora
explorada pelos conquistadores por instantes sabedores das nossas
subserviências psicológicas, no intuito de servir às suas próprias ambições.
(Barreto, pág. 387)
Policarpo
Quaresma e Patriarcado
Os
primeiros núcleos de povoamento do Brasil foram criados pelos senhores rurais.
Essa paternidade pioneira converteu-se em apropriação. A família colonial
imprimiu as marcas de sua ascendência nas vilas e cidades que construiu. A
anatomia urbana da colônia mostra como a casa, ocupando todo o lote, delimitava
a rua. O privado impunha-se ao público. Com exceção da praça em que se
situavam, de modo geral, a Câmara, a cadeia, e a Igreja, a cidade era tomada
pelas propriedades privadas. As famílias, mesmo as menos ricas, copiavam o
exemplo dos senhores, que instalavam suas residências onde lhes parecessem mais
cômodos. As pequenas reações do poder público não pareciam obter qualquer
efeito. As posturas municipais contendo obrigações de alinhamento e arruamento
eram sistematicamente desrespeitadas: a postura ficava nos papéis públicos, e
cada qual construía a sua casa e corria a sua cerca à feição de suas
comodidades e interesses. (...) (COSTA). 
Costa
ainda elucida sobre a confusão do privado e do público na fase patriarcal e
colonial do Brasil, cujos reflexos vemos até hoje:
A
cidade funcionava, por conseguinte, como extensão da propriedade e das famílias
rurais. Não apenas em sua ordenação econômica, arquitetônica e demográfica, mas
também na regulação jurídica, política e administrativa (COSTA)
Costa,
em tal trecho de seu livro explica as origens do patriarcado no Brasil e como
formou suas primeiras raízes. Lima Barreto, no livro o Triste Fim de Policarpo
Quaresma usa de suas personagens femininas para criticar as heranças do
patriarcado no Oitocentismo, embora, devamos admitir que essas heranças
perduram até hoje. A despersonalização da mulher, criança e resto do núcleo
familiar e todo o poder dado ao patriarca é criticado neste trecho em que Olga
enfrenta seu marido e seus interesses políticos e econômicos afim de salvar o
amigo e tio Policarpo Quaresma da morte. 
Ela, afogueada pela ânsia desesperada de
salvar Quaresma, disse com certa vivacidade:
– Vou.
Armando ficou admirado de vê-la falar
daquele modo. Voltou-se um instante para
Ricardo, quis interrogá-lo, mas logo,
dirigindo-se à mulher, perguntou com autoridade:
– Onde vais?
A mulher não lhe respondeu logo e, por
sua vez, o doutor interrogou o trovador:
– Que faz o senhor aqui?
Coração dos Outros não teve ânimo de
responder; adivinhava uma cena violenta que ele teria querido evitar, mas Olga
adiantou-se:
– Vai acompanhar-me ao Itamarati,
para salvar da morte meu padrinho. Já
sabe?
O marido pareceu acalmar-se. Acreditou
que, com meios suasórios, poderia evitar que a mulher desse passo
tão perigoso para os seus interesses e
ambições. Falou docemente:
– Fazes mal.
– Por quê? perguntou ela com calor.
– Vais comprometer-se. Sabes que...
Ela não lhe respondeu logo e mirou-o um
instante com os seus grande olhos cheios de escárnio; mirou-o um, dous minutos;
depois, riu-se um pouco e disse:
– É isto! "Eu", porque
"eu", porque "eu", é só "eu", para aqui,
"eu"para ali...
Não pensas noutra cousa... A vida é
feita para ti, todos só devem viver para ti... Muito engraçado! De forma que eu
(agora digo "eu"também) não tenho direito de me sacrificar, de provar
a minha amizade, de
ter na minha vida um traço superior? É
interessante! Não sou nada, nada! Sou alguma cousa como um móvel, um adorno,
não tenho relações, não tenho amizades, não tenho caráter? Ora!...
Ela falava, ora vagarosa e irônica, ora
rapidamente e apaixonada; e o marido tinha diante de suas palavras um grande
espanto. Ele vivera sempre tão loge dela que não a julgara nunca capaz de tais
assomos. Então aquela menina? Então aquele bibelot? Quem lhe teria ensinado
tais cousas? Quis desarmá-la com uma ironia e disse risonho:
– Está no teatro?
Ela lhe respondeu logo:
– Se é só no teatro que há grandes
cousas, estou.
E acrescentava com força:
– É o que te digo: vou e vou, porque
devo, porque quero, porque é do meu direito. 
Apanhou a sombrinha, concertou o véu e
saiu solene, firme, alta e nobre. O marido não sabia o que fazer. Ficou
assombrado e assombrado e silencioso viu-a sair pela porta fora. (BARRETO,
Lima)
Ainda sobre a despersonalização da mulher à época,
que tinha seus sentimentos e pensamentos reprimidos e eram educadas desde a
infância a servir os homens e ao marido, Barreto critica a herança do
Patriarcado através de Olga, personagem que mesmo casada e seguindo seu papel
social de mulher submissa, possuía comportamentos diferentes das moças de sua
época – apesar de ter recebido a mesma educação - ao mostrar seus ideais,
sonhos, ousadia e curiosidade.
[1]
no caso do livro, esse sistema é
metaforicamente representado pelo Brasil como um todo, e Policarpom, na
tentativa de melhorar o país acaba lidando com a buroracia do Direito e
diversos outros problemas. Mas nesse trabalho em especial, estamos lidando com
o aspecto do Direito.

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