MPF recomenda maior controle de autodeclaração racial em vestibular
A política de entrada em universidades públicas por meio de
cotas raciais vai ter mais controle. A aparência dos estudantes que disputam
essas vagas deve ser comprovada por uma comissão especial. O Ministério Público
Federal no Rio de Janeiro recomendou que o fenótipo, e não a ascendência, deve
ser o critério prioritário na aprovação. O órgão deu 30 dias para as
universidades públicas do estado informarem como farão a conferência, sob pena
de serem processadas.
A recomendação foi emitida esta semana após uma série de
denúncias de fraudes. O sistema atual leva em conta apenas a autodeclaração do
estudante, deixando passar falsas declarações.
Para investigar se a aparência dos vestibulandos condiz com a
autodeclaração, o MPF orienta que as universidades priorizem o contato
presencial com o candidato, por meio de bancas compostas por pessoas com perfil
étnico racial diverso, por exemplo. Outra recomendação é que seja formada por
estudantes, professores e servidores. O Ministério Público defende também que a
matrícula só deve ser recusada por unanimidade, assegurada a ampla defesa, de
forma a evitar arbitrariedades.
Seguindo as recomendações do Estatuto da Igualdade Racial,
atualmente as universidades confirmam a cor dos concorrentes por meio de
autodeclaração, assim como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
no Censo. O método é consagrado internacionalmente e ratificado na Declaração
de Durban, da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial,
Xenofobia e Intolerância Correlata.
Demógrafos e antropólogos acreditam que comissões
verificadoras podem impor constrangimentos ao direito individual, uma vez que a
análise visual também é subjetiva.
Fraudes
Diante de denúncias dos próprios estudantes, a Universidade
Federal Fluminense foi uma das primeiras federais do Rio a criar comissões de
conferências, a partir de demanda do próprio MPF. Em todo o ano passado, dos
1.274 alunos declarados pretos, pardos ou indígenas, as comissões recusaram a
matrícula de 162 postulantes, em torno de 14%, por fraude, segundo a
Coordenadora da Comissão de Aferição, a antropóloga Ana Claudia Cruz.
A formação de bancas verificadoras, no entanto, divide
opiniões. As reitorias informaram ao MPF que há insegurança jurídica e
levantaram a possibilidade de as comissões se transformarem em “tribunais raciais”. “Brancos tendem a
‘escurecer’ o outro, e negros tendem a ‘clarear’. Há situações limítrofes que
causam discrepância”, desabafou o professor Angelo Telésforo, da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Sem pesquisas confiáveis sobre as fraudes ou dados que possam
embasar orientações às comissões de verificação, a conferência visual pode
colocar a políticas de cotas raciais na berlinda de novo, avalia o professor
João Feres Júnior, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação
Afirmativa (Gemaa), vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
“Não há dados, não há estudos confiáveis sobre fraudes nas
cotas. Há muitas impressões”, afirmou à Agência Brasil. “A gente precisa de
evidências para pensar qualquer política. Não tenho nada contra as comissões,
em princípio, mas há possibilidade de as decisões fragilizarem a política.” Na
opinião do cientista político, a autodeclaração e até mesmo a conferência
visual é subjetiva.
O professor recorda que, nos Estados Unidos, o sistema de
cotas raciais já foi questionado cinco vezes na mais alta corte daquele país,
equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil. Ele lembra que a divergência
de uma banca de verificação de cotas na Universidade de Brasília (UnB), no
vestibular de 2007, levou as ações afirmativas ao tribunal no Brasil. Na
ocasião, a UnB rejeitou a matrícula de aluno, cujo irmão gêmeo idêntico foi
aprovado pelo sistema de cotas raciais. O STF, por unanimidade, manteve o
sistema, considerando as ações afirmativas constitucionais.
Comissões
As universidades fluminenses cobram uma orientação precisa do
Ministério da Educação sobre como proceder em relação à criação de comissões de
verificação, assim como o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog)
fez nos concursos para servidores com cotas.
A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(Seppir) acompanha o debate e defende que as bancas sejam formadas em modelo
similar às do Mpog, que inspiraram a recomendação do MPF . “O desenho
institucional baseado exclusivamente na autodeclaração favorece a ocorrência de
fraudes e ações oportunistas, impedindo a fruição do direito pelos legítimos
beneficiários”, afirmou o procurador Renato Machado.
Na avaliação do Ministério Público, mesmo com uma orientação
normativa do MEC ou mesmo mudança na lei, processos seletivos não estão imunes
a questionamentos jurídicos.
As instituições federais no Rio, incluindo a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), devem se reunir na sexta-feira (23) para
discutir como aplicar a recomendação. Pelos menos quatro delas, a UFRJ, a
UniRio, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e o Instituto Federal do
Rio de Janeiro foram denunciadas ao MPF por fraudes nas autodeclarações. Desde
o ano passado, elas formatam as bancas de verificação.
Fonte: Agência Brasil
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