Coluna da Magnólia: Do Código Melo de Mattos até o E.C.A: Ainda Precisamos Cuidar de Nossas Crianças
Para
entender o modo “peculiar”que nós brasileiros tratamos nossas crianças,
precisamos buscar nosso passado histórico. O Brasil, então colônia de Portugal
e dividido em sesmarias (para nobres que tinham coragem e dinheiro de lucrar
nestas terras) “evoluiu” para grandes lotes de terras, os latifúndios,
dominados pelos grandes proprietários, os patriarcas. Esse patriarca
concentrava todos os poderes em suas mãos, não sobrando, portanto, nenhuma
margem de poder para o restante do núcleo familiar. Tal fato não surpreende: o
latifúndio era a unidade de produção à época, que funcionava a base de
monocultura, grande produção em escala, mão de obra escrava e exportação. Ou
seja, quem possuía terras, possuía o poder econômico, e consequentemente o
político. O patriarca, portanto, era uma figura de autoridade sobre todo o
núcleo familiar.
A
compreensão do papel masculino na sociedade colonial é de fundamental
importância. O estabelecimento de suas relações interpessoais se baseava no
absolutismo patriarcal, que mantinha um monolítico poder como garantia de
sobrevivência do patrimônio. Decorrente da própria estrutura econômica do
período, que acabou por refletir nos hábitos e na cultura dos habitantes, o pai
mantinha o status de epicentro das relações familiares, isentando-se de maiores
compromissos ou manifestações afetivas em relação à prole e a mulher, ao
relegar a ambos tão somente, uma atenção genérica e despersonalizada. (COSTA, 2004)
Crianças,
escravos e mulheres não tinham qualquer direito e estavam submetidos a castigos
físicos por parte do patriarca, “emendando-lhes das más manhas”
O
absolutismo patriarcal se materializava por meio de inúmeras formas, entre
elas, pelo direito concedido ao pai de castigar escravos, filhos e mulheres,
“emendando-lhes das más manhas”, conforme ditavam as ordenações do Reino. Essas
prerrogativas eram exorbitantes, sobretudo no caso de mulheres internadas à
força em conventos por ordem do pai. Nenhuma autoridade civil podia entrar num
convento para lá instaurar um processo, visto que o pai detinha poderes
ilimitados sobre as filhas e o único jeito de modificar a situação era mediante
o bispo. Contudo, em termos práticos, enquanto a abadessa estivesse em conluio
com os pais da vitima, qualquer recurso legal da parte dos filhos contra o
autoritarismo dos pais era absolutamente inútil, pois eventuais suplicas jamais
chegariam ao prelado. A criança e a mãe, nesse aspecto, ocupavam uma posição
secundária na família colonial (COSTA, 2004)
Sim,
o modo hostil como negros, mulheres e crianças são tratadas no Brasil possuem
raízes históricas. Mas nesse pequeno artigo, vamos tratar apenas das crianças.
Por
conta desse passado histórico, por muito tempo as crianças foram
despersonalizadas: seus sentimentos e vontades pouco importavam e eram
subjugadas como projetos de humanos, agindo como se pequenos adultos fossem.
Talvez
alguns pais não saibam (ou saibam e se omitam), mas é grotesco o modo em que as
crianças são tratadas em algumas escolas. No 3° ano do segundo grau de uma
escola particular a qual estudava, estava usando um computador na sala de
informática enquanto a do Pré II estava assistindo uns slides. A professora,
que aparentava uns 25 anos, fez uma pergunta aos alunos. Um deles respondeu,
porém erroneamente. Ela gritou: “É para falar quando souber, se não souber cala
a boca”. Que tipo de educação é essa, baseada na agressão? É assim que ela quer
que essas crianças falem em casa? É assim que ela quer que essas crianças
desenvolvam um senso crítico que vá contra uma educação bancária?
Mas
não acaba por aí. Existem pais que são piores. Pais que ainda acham que os
filhos tem que levar castigos físicos para “aprender”, como se não fossem
imbuídos de um sistema neural capaz de codificar informações. Como se os filhos
fossem bois, cavalos, animais de fazenda (não defendendo a violência contra
animais, mas só exemplificando).
Sim,
tem gente que vive no século XXI, mas é tão desinformado, insensível e
ignorante que tem o cérebro programado para o Brasil Colônia. Gente que acusa a
“Lei da Palmada” de “absurdo”. Eu entendo que seja absurdo sob uma vertente:
Nosso passado foi um absurdo. Um enorme, radioativo, cancerígeno e hereditário
absurdo. Fomos o ultimo país a abolir a escravidão. Fomos o país da América que
depois de “independente” continuou sob “as rédeas” da metrópole. Fomos o país
que adotou um modo de produção (plantation) que afetou sem precedentes as
relações familiares e desestruturou toda a conjuntura política, fortificando/
tornando invencível a corrupção.
Não
é a toa que os Estados Unidos veem com péssimos olhos o fato de machucarmos
fisicamente nossas crianças, sob o pretexto de “tentei argumentar antes, mas
não adiantou”.
Não.
Você não tentou argumentar. Primeiro perguntou o que a criança estava fazendo e
depois deu uma sequencia de berros para que ela parasse sob a ameaça de ser
castigada fisicamente. Ou usou o argumento: “Me respeite porque sou teu pai”.
Só faltou dizer: “Me respeite porque sou teu patriarca”.
Que
droga de argumento é esse, que além de possuir menos de uma linha, traz uma
tonelada de preconceito histórico? Ninguém, a menos que forçosamente, respeita
de verdade uma pessoa pelo “título” que ela carrega. Temor reverencial nada tem
a ver com respeito
Respeito
baseado no medo é um respeito ralo. Falso e fingido. Pai todo mundo é. É só
ejacular na hora certa. E daí? Respeito verdadeiro vem do que você representa
ao seu filho. Me surpreende pais autoritários, desrespeitosos, abusivos, não
abertos ao diálogo requererem respeito dos filhos. Nem tal pai em questão se
respeita com esse comportamento deplorável, quissá seu filho deveria fazer o
mesmo. Mas é aquela coisa, nesse país a agressão física é mesmo que nada.
Precisamos
cuidar de nossas crianças. Todas as crianças são nossas, pois estão
desprotegidas. Nenhuma criança fez algo tão terrível que mereça ser castigada
fisicamente. Não importa se com palmada, tapa, soco, o que for.
Muitos
usam o argumento medíocre: “É só uma palmada de leve”, desconsiderando um ser
frágil e a humilhação que aquilo representa para tal. Deixe alguém te dar “uma
palmada de leve” na cara na frente dos outros, já que você está tão seguro de
que palmadas são inofensivas.
Denuncie
ao Conselho Tutelar. Não deixe que seu silêncio continue a produzir marcas no
corpo e na alma de um ser inocente.
REFERÊNCIAS:
DE ARAÚJO, Denilson
Cardoso. ECA para Fazer Eco.
Editora: Usina de Letras, 2001.
PATRÃO, Benedicto. De Debret a Marc Ferrez: Higiene na Família
Oitocentista. Editora: Folha Seca. 2016.
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